Prelúdio Literário

 

Regina Pina

 

Lucian
Lucian

O pintor Lucian Freud

 

Neto de Sigmund Freud, Lucian Freud nasceu na Alemanha. Ao fugir do nazismo, exilou-se desde jovem no Reino Unido. Pintor associado ao surrealismo, Lucian iniciou a produção na década de 1950: retratos com modelos sem roupas, deitadas no chão ou na cama. Formas incomuns, radicais, pincéis substituídos por escovas rústicas de animais. Espalhada de forma densa, a tinta aguardava a secagem antes de prosseguir na obra. Em 2001, terminou o retrato da rainha Elizabeth II. Comemorava sessenta anos no trono.

 

Retratava seus personagens em cenas de miséria, melancolia e pavor, a degeneração da carne. Seus nus não eram considerados sensuais. Bonito, sedutor, reservado, possuía habilidade para convencer os demais. Sua obra foi considerada autobiográfica: relacionada à memória, movimento e sensualidade. Arrojado na arte e na vida, seus companheiros eram os gangsteres dos anos 60: dívidas de jogo, brigas e fugas da polícia. Teve dezenas de amantes e muitas posaram em suas pinturas. Pai de 14 filhos reconhecidos e vários bastardos. Seus quadros encantavam alguns e chocavam outros, por sua crueldade e realidade. Pintou retratos das filhas nuas e de um filho. Vendido a um colecionador, o autorretrato foi motivo de polêmica. Lucian quis recomprar o quadro, pedido negado pelo comprador. Após a briga com um taxista, correu para casa e pintou um quadro com o olho roxo, hematomas e sangue. O Autorretrato com um olho roxo, 1978, é a principal obra de sua coleção particular. 

 

Morreu em julho de 2011, com 88 anos. Lucian Freud recebeu vários prêmios: destacamos o Prêmio  Turner. Suas obras sempre foram vendidas em leilões internacionais por preços elevados. Membro da Ordem do Mérito: outorga oferecida por Elizabeth II ao reconhecer grandes realizações no campo das artes, literatura e ciência. Essa honraria é restrita a 24 membros. Recebeu do Império Britânico o título de ”Sir”. Lucian  gostava de pintar idosos, a constatação do processo de envelhecimento, dos efeitos do tempo sobre o corpo,  marcas das histórias pessoais. Pintou o ser humano em estado bruto.

 

"Um retrato é a representação de um corpo
que foi criado pelo toque de outro."

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O Mal-Estar na Civilização

 

Em seu texto O Mal-Estar na Civilização, escrito em 1929 e publicado em 1930, Sigmund Freud revela o desejo do ser humano em dominar o próximo, obter poder, maltratá-lo e quem sabe, matá-lo. (Resumo interpretado do texto original). Vemos esses exemplos nas guerras e disputas que ocorrem até hoje. Viver em sociedade, a necessidade de fazer parte da civilização, obrigou o Homo Sapiens a conter suas pulsões agressivas e tentar a convivência pacífica, quando possível, como no exemplo da sublimação.

 

Distante dos tradicionais comportamentos em sociedade, súbito aparece um imprevisível ataque que nos ameaça. Não podemos ver a inacreditável ameaça e não temos o poder necessário para combatê-la. Armas, tanques e canhões não servem. O inimigo invisível está em toda parte, e ao percebermos sua presença nem sempre podemos escapar. Emoções difíceis de  controlar. Acuados, mergulhados no medo e na raiva, a necessidade de manter o isolamento sem contato social e familiar exacerba os sentimentos.

 

Perseguidos, essa ameaça torna a população paranoica. Diante da cruel surpresa, adquirimos a consciência da fragilidade e impotência dos seres humanos. A quebra do pretenso controle sobre os caminhos da vida expõe a nossa imensa fraqueza. O inimigo invisível mostrou a vulnerabilidade.

 

Ao conhecermos nossas surpreendentes fragilidades, sem defesas e sem máscaras para enfrentar a vida, talvez a realidade se transforme, o ser humano mude seu olhar em relação ao próximo, ao mundo, e a si mesmo. Isso ocorrerá?

 

Freud nos mostra no texto O Mal-estar na Civilização como o sentimento de desamparo consegue provocar a negação de situações difíceis e intoleráveis: a fuga como forma de evitar o confronto. Talvez esse sentimento possa explicar a negação de certos indivíduos frente à situação vivida no momento. O Mal-Estar na Civilização completa 90 anos e está mais atual do que nunca. Atual mesmo.

Boca

Lá fora a peste,
aqui dentro a loucura

 

Medo e horror.

Edgar Allan Poe em seus romances

cria espaços assustadores e frios.
As experiências de como lidamos com nossos
medos permanecem atuais.

 

Jean Delumeau (1923-2020), historiador e autor do magnífico livro História do medo no Ocidente, publicado em 1978, nos fala do período entre os séculos XIV e XVIII, investiga nossos medos e pesadelos íntimos e coletivos. No capítulo dedicado às pestes, descreve momentos de total desregramento causados pelo medo da morte, quando o ser humano rompe os limites estabelecidos e se comporta como se vivesse os últimos dias.

 

Lembramos o conto de Poe, A máscara da morte rubra, publicado em 1842. A história trata do surto de cólera que atacou a Europa na primeira metade do século XIX, especialmente na França. Enquanto a Morte Rubra devasta a região, o príncipe considerado forte e valente, Próspero, seleciona mil amigos entre damas e cavaleiros de sua corte e se tranca em uma abadia fortificada. Com muitas provisões, estavam a salvo. Após alguns meses de confinamento, no ápice da peste, o príncipe oferece um baile de máscaras.  Muito divertimento, risos e alegrias, bufões e bebidas. Em certo momento da festa, exatamente quando soaram as doze badaladas, eis que surge um intruso.

 

O relógio de ébano está localizado no último salão, salão no qual predomina a cor preta e poucos ousam entrar. Os badalos macabros e arrepiantes  apontam para a Morte cada vez mais próxima, mas os convidados não sabem de sua presença no baile. Poe teria se baseado no relato do escritor Nathaniel Parker Willie que participara de um "baile de cólera", em Paris.

 

Quem seria o intruso? Os convidados se aproximam, retiram a máscara e veem que nada existe por baixo dela. Só então reconhecem a presença da Morte Rubra, e um a um todos os foliões caem ensanguentados. O relógio de ébano parou de funcionar, as chamas dos trípodes que iluminam os salões se apagam. A escuridão, a ruína e a Morte Rubra estendem seu domínio ilimitado.

 

Ninguém escapa da morte, ninguém foge ao seu destino, ainda que procure proteção dentro de casas ou esconderijos.

 

Edgar Allan Poe, nascido Edgar Poe nos Estados Unidos, foi autor, poeta, editor e crítico literário, integrante do movimento romântico em seu país. Geralmente considerado o criador do gênero de ficção policial, contribuiu também  para o gênero de ficção científica. Um dos principais escritores americanos  do século XIX, tornou-se mais popular na Europa do que nos Estados Unidos. Para o sucesso europeu, as traduções de Charles Baudelaire foram definitivas. Em 3 de outubro de 1849, foi encontrado nas ruas de Baltimore em estado de delirium tremens. Levado ao hospital, Poe faleceu. As causas de sua morte nunca foram esclarecidas (A Morte Rubra?). Últimas palavras: "Lord, please, help my poor soul". “Senhor, por favor, ajude minha pobre alma”.

 

 

Algumas obras

 

1833  Manuscrito encontrado numa garrafa

1835  Berenice

1839  A queda da Casa de Usher

1839  William Wilson

1841  Assassinatos  da Rua Morgue

1842  A máscara da morte rubra

1842  O mistério de Marie Rogêt

1842  O poço e o pêndulo 

1843  O escaravelho de ouro

1844  A carta roubada

1845  O demônio da perversidade

1846  O barril de Amontillado

 

Escreveu várias poesias, sendo a mais conhecida,
1845, O Corvo (The Raven).

 

Traduções de  Fernando Pessoa, Machado de Assis,
Charles Baudelaire e Stéphane Mallarmé.

 

Numa meia noite agreste, quando eu lia, lento e triste

Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que  batia levemente a meus umbrais

"Uma visita" eu me disse, “está  batendo a meus umbrais.

E só isto, e nada mais".

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Foto / Ruvim Noga

Viagem ao redor
do meu quarto

 

Viagem ao redor do meu quarto é um romance escrito por Xavier de Maistre em 1794 e publicado em 1795. O autor nasceu em Chambéry. Naquele época, a capital dos Estados de Savóia. De família nobre, Xavier era filho de magistrado e de mãe católica fervorosa. Teve dez filhos, entre eles, um abade e uma religiosa. 

 

Surge o livro

 

Durante a Revolução Francesa, Xavier e a família partem para a Itália. Xavier de Maistre se ligaria ao exército russo. Na Rússia, casou-se com uma das damas de honra da Imperatriz - Sophie Zagriatzky. Esteve retido em Turim, ao participar de um duelo que lhe renderia 42 dias confinado em sua residência. Nesse período, teve a companhia de Joannetti e Rosine, o criado e a cadela. Como passar o tempo? Como viver esses dias sem poder sair de casa e visitar os amigos? Começa a viagem do autor ao perceber os lugares a serem visitados em seu quarto. Os objetos passam a ter importância; afinal eles compõem a sua história. 

 

Os quadros na parede permitem fazer instigantes viagens imaginárias, acompanhadas das memórias de suas mulheres. Rosine o leva a refletir sobre o amor entre homens e animais. Refere-se aos amigos, ao papel que cumprem em nossa vida, assim como a falta que fazem e o vazio que podem deixar, a melancolia e a tristeza causadas nas perdas. “Feliz daquele que possui ao menos um amigo”, cita o autor.

 

Temos várias referências literárias: desde Homero, Rafael, Milton, Hipócrates, Goethe, John Locke, Machado de Assis (que o citará em Memórias Póstumas de Brás Cubas), o mito de Caronte, aquele que transporta as almas dos mortos ao Hades. Verdadeiras aulas de arte, literatura e reflexões sobre a vida e o comportamento humano. De Maistre aborda os conflitos internos do indivíduo, a teoria da alma e da besta, a divisão entre corpo e alma, o ser humano como um ser dividido. Esse pensamento viria a ser denominado Id e Ego, por Sigmund Freud. A besta representaria nossos impulsos primitivos, a alma seria nossa consciência, a razão, a moral.

 

A teoria do Outro seria um recurso para ilustrar a complexidade e as contradições do ser humano e seu comportamento. Mais de um século antes de Freud, Xavier teria inaugurado algo semelhante à "Psicopatologia da vida cotidiana", baseada na análise dos lapsos. A alma e o Outro podem atuar como seres independentes, mantendo relações ilustradas por acidentes e distrações.

 

Este livro marca um momento expressivo no processo de consciência literária da personalidade dividida do ser humano, pressupondo desacertos entre os níveis da vida psíquica: dentro de nós habitam instâncias que podem entrar em conflito. O desejo foi estudado por Freud, Lacan, poetas, escritores, filósofos e analistas. "O desejo eterno e jamais saciado do homem não consiste em aumentar seu poder e suas capacidades em querer estar onde não está, em recordar o passado e viver no futuro? O homem é duplo, sua grande arte consiste em saber adestrar bem seu animal para que ele possa andar por conta própria enquanto a alma liberta desse companheiro sofrível fica livre para se elevar aos céus". A libertação chegou, o confinamento acabou.

 

"Ai, não me deixaram concluir minha Viagem,
foi para me punir

que me relegaram ao meu quarto?
A essa região deliciosa que guarda
odos os bens
e todas as riquezas do mundo?
Seria o mesmo que exilar um rato
em um celeiro.”

 

O autor nos apresenta uma viagem ao redor do seu quarto que nos leva a uma viagem ao nosso interior, nossas memórias, lembranças, reminiscências. Mudamos nosso olhar frente aos objetos que fazem parte da nossa vida, assim como refletimos em relação ao que temos de mais íntimo em nosso ser. Não por acaso Nietzsche e  Machado de Assis foram leitores dessa obra-prima, certamente realizaram a sua viagem. E a nossa viagem? O momento é propício: arrumar as malas para uma viagem ao redor do nosso quarto, ampliarmos a capacidade de observação, aguçarmos o olhar, a memória, mergulharmos no interior dos sentimentos

Livros que escaparam
da morte

 

"Queremos livros que nos afetem
como um desastre.
Um livro deve ser como um machado diante
de um mar congelado em nós".

 

Franz Kafka

 

No ano de 1883, em Praga, nascia o escritor Franz Kafka. Ele trabalhou em uma companhia de seguros e só conseguia escrever nas horas livres. Tuberculoso, morreu aos 41 anos.

 

Segundo consta, mantinha difícil relacionamento com o pai, considerava-o austero e muito rígido. O relato de seus medos e inseguranças frente à figura paterna, relato contido na Carta ao pai, jamais foi enviado ao “austero e rígido” senhor. Quanto à mãe, a quem dedicava especial atenção, Kafka considerava sua protetora.

 

Biógrafo e testamenteiro, Max Brod ouviu um triste pedido ao lado do leito de morte do escritor e amigo. Foi um pedido emocionante, irrecusável, do amigo que partiria em breve. Mas o senhor Max o recusou, não cumpriria o último desejo de Kafka. Ao resistir com as forças da razão em contraposição à emoção, guardou carinhosamente os escritos do autor. E graças à sua resistência, quase rebeldia, tomamos conhecimento de obras importantes como O processo, Metamorfose, O Castelo e Colônia Penal.  Outros títulos respeitáveis escaparam da recomendação não atendida, a recomendação de eliminar todos os escritos.

 

Tradutor das obras do grande autor, Modesto Carone considera Kafka o Fausto do século XX, e Amós Oz fala do maior profeta daquele século, capaz de prever a desumanização e as tiranias, a crueldade do poder e a impotência do ser humano. Amós Oz recebeu o Prêmio Kafka em 2013, na cidade de Praga. "Ele me ensinou que as árvores e todas as demais coisas nunca são o que parecem".

 

Kafka teve várias mulheres. Entre elas, manteve um longo romance com Milena Jesenska. Ele nunca se casaria. O livro Cartas a Milena contém a correspondência entre 1920 e 1923, cartas dirigidas à mulher que morreria em 1944 num campo de concentração.

 

Diversos papéis do autor apareceram em Jerusalém após décadas trancados no cofre de um banco na Suíça. De língua alemã, Kafka é considerado um dos mais influentes escritores do século XX.

Cartaz

Quem tem medo
de Virginia Woolf?

 

Edward Albee nasceu em 1928 nos Estados Unidos e faleceu em 2016, aos 88 anos. Vencedor do Prêmio Pulitzer por três vezes (1967, 1975, 1994), Edward é conhecido por explorar temas obscuros e sombrios da psique humana com humor extremamente ácido. Compôs mais de 25 peças. 

 

Albee era adotado e nunca se sentiu confortável com seus pais adotivos. Interessado nas artes, descobriu a poesia aos nove anos. Aos treze anos foi para Greenwich  Village, visitou pintores abstratos e expressionistas, ouviu música contemporânea e  manteve contato com escritores de fama.

 

O papel do dramaturgo na sociedade é de instruir as pessoas a respeito de suas responsabilidades e consciência, na opinião de Edward. Ele não costumava reescrever suas peças, alegava que a criatividade está no inconsciente, é como se os personagens escrevessem a peça.

 

Quem tem medo de Virginia Woolf?

 

Quase sempre de caráter psicológico, analisou as relações humanas, casamentos, religiões  e o comportamento das classes abastadas. No cinema, ficou muito conhecido em 1966 com a adaptação de Quem tem medo de Virginia Woolf?, dirigida por Mike Nichols, vencedor de cinco Oscars. Melhor atriz para Elizabeth Taylor. Vencedor do Pulitzer de melhor drama em 1963, teve o prêmio cassado. A organização do Pulitzer temeu concedê-lo a uma obra tão controversa. O nome da peça é uma alusão a Os três porquinhos e à frase Quem tem medo do lobo mau? (Who's afraid of the Big Bad Wolf?, no original). Adaptado para o cinema, Quem tem medo Virgínia Woolf? foi estrelado por Elizabeth Taylor e Richard Burton, nos papéis de Martha e George.

 

É uma relação de amor e ódio. Casados, Martha e George são dois intelectuais na meia idade. Após uma festa na faculdade onde o pai de Martha é reitor, recebem um jovem casal recém chegado à cidade. Nick será professor na mesma Universidade onde George trabalha. Ao chegar, o casal encontra um ambiente perverso, de humilhações, discussões e muita bebida. Há vinte anos Martha e George brigam. Esse ambiente se prolonga com a presença do casal envolvido no jogo perverso. 

 

Martha considera George um fracassado professor de História que não tem condições de ocupar o lugar de reitor, lugar ocupado por seu pai. George, aparentemente uma vítima da crueldade psicológica da esposa, sabe o momento de disparar o tiro certo. A possível existência de um filho do casal, filho imaginário que chegaria no dia seguinte. George é perito em jogos perversos e acaba por descobrir a vida inconfessável de Nick e Honey, uma esposa histérica que não quer filhos e vomita o tempo todo. Honey simulou uma gravidez para se casar com Nick, que tem interesse no dinheiro do sogro, pastor que rouba fiéis em benefício próprio. 

 

Martha confessa que o único homem a quem amou foi George, "que me protege e eu o insulto, me abraça à noite e eu o mordo para haver sangue". George destrói a fantasia de Martha no final da noite, revela que o filho morreu, filho imaginário, ponto frágil de Martha que desaba emocionalmente. Xeque mate! O jogo acabou por hoje.

 

Cada casal estabelece um pacto inconsciente, um padrão de relacionamento que apenas eles entendem. Neste caso, a pulsão de vida se manifesta por meio da pulsão de morte, instintos agressivos, perversos, sadomasoquistas, crueldade psicológica. O casal mantém por meio da doença, da patologia, uma forma de viver: um precisa do outro para manter este pacto. Alguns casais associam essa conduta à pulsão sexual, tornando a vida sexual bem mais excitante e prazerosa. A vida seria monótona sem este ingrediente, restaria apenas esperar pela velhice, como disse George. Assim prosseguirão por muitos anos, provavelmente a vida toda.

Zweig

De Stefan Zweig para
Sigmund Freud

 

"Então será preciso adotar o ponto

de vista de que é uma pretensão insustentável

exigir que tudo o que sucede

na psique teria de se tornar conhecido

também para a consciência."

 

Sigmund Freud

 

Em Viena, no ano de 1881, nascia Stefan Zweig. Poeta, biógrafo, ensaísta e romancista, Zweig viveu  a efervescência cultural em Viena no começo  do século XX. Sua fase literária mais rica aconteceu em Salzburg, onde morou por quinze anos. Escreveu as biografias de Dostoiévski, Balzac, Tolstoi, Dickens, Nietzsche e Stendhal. Anos mais tarde lançaria as biografias de  Maria Antonieta, Rilke, Joseph Fouché e Roman Rolland. Conheceu  o escultor Auguste Rodin, o maestro Toscanini e outros famosos.

 

Hitler chega ao poder, e o nazismo impele o escritor a conhecer outros horizontes. Em fuga, após tentar vários países, refugia-se no Brasil em 1941. Freud e Zweig mantiveram um vínculo de amizade, até mesmo uma breve relação analítica, segundo alguns. Freud ao receber em 1926 uma coletânea de novelas de Zweig, teria se referido a elas como "obras-primas", relata Alberto Dines. Um dos contos preferidos: 24 horas na vida de uma mulher.

 

Nas obras de Zweig, encontramos textos com predominância de mulheres protagonistas: dramas, tragédias, dores e sofrimentos, dinâmicas psíquicas de forma extremamente delicada e profunda, muitas vezes antecipando formulações teóricas de Freud. Zweig era apaixonado pela literatura francesa e inglesa. Traduziu para o alemão obras de Keats, Yeats, Verlaine e Baudelaire. Entre seus amigos podemos citar Rainer Maria Rilke, Romand Rolland, Thomas Mann e Freud.

 

A cura pelo Espírito

 

Das mais importantes obras de Zweig, A cura  pelo Espírito (1931) procura traçar a cura por esse caminho. O texto apresenta o trabalho do médico e fisiologista Franz Mesmer, baseado na intuição e hipnotismo. Fala de Mary Baker-Eddy que pretende curar no êxtase e na fé, fundadora da seita Ciência Cristã. Na verdade o livro é uma apologia à Freud e à Psicanálise, o personagem mais exaltado no livro. A obra publica cartas de Zweig e Freud, acervo da correspondência mantida entre eles durante 1908 a 1939.

 

Encontramos no escritor uma oportunidade para conhecer a prática psicanalítica como ocorria nos anos em que Freud atendia seus pacientes. Os sonhos se tornaram importantes a partir do estudo A interpretação dos sonhos (1900). Antes eram vistos como caprichos do cérebro ou mentiras. Freud percebeu que os sonhos mostravam o consciente e o inconsciente, momento extremamente importante para o surgimento da Psicanálise. Interessado no tema, Zweig acompanhou as descobertas de perto. Quem sabe buscava caminhos para sua própria depressão. Entre suas obras, podemos citar O mundo insone, Novelas insólitas, Três novelas femininas e a autobiografia: O mundo de ontem. Uma verdadeira obra-prima. Stefan Zweig  perdeu a Viena de sua juventude para a Primeira Guerra, a Áustria de sua maturidade para Hitler, e a Europa de sempre para a Segunda Guerra. Este livro é um retrato lúcido e fiel de uma geração, de sua vida e suas memórias.

 

Anunciamos com tristeza a morte
do Professor Sigmund Freud

 

Os jornais londrinos noticiaram em 25 de setembro de 1939 o falecimento do Professor  Freud, ocorrido no dia 23. O jornal The Guardian dedicou uma página ao criador da Psicanálise, mencionou seu exílio, suas pesquisas e os trabalhos sobre esquecimentos e lapsos, uma matéria de investigação científica. Afirmou ainda que Freud seria conhecido como o homem que forçou os seres humanos, os  pensadores e cientistas a levarem os sonhos em consideração. Seus trabalhos influíram em muitas áreas do conhecimento e extrapolaram o campo médico, produziram uma grande quantidade de pesquisas da sociologia à literatura.

 

Cremação

 

Na cerimônia de cremação de Freud, além de Ernest  Jones, seu biógrafo oficial, Stefan Zweig fez emocionante discurso. C,itamos alguns trechos: "Freud não nos abandonou, não estamos no fim, trata-se apenas de uma suave passagem da mortalidade para a imortalidade"... "Ele ousou e ousou, sempre sozinho, e, mais uma vez ousou pisar onde ninguém antes tinha pisado". "Agradeço pelos mundos que descortinou e que agora atravessaremos sozinhos e sem liderança, sempre lembrando de você, fielmente e com veneração, você, o mais precioso amigo, o mais amado dos mestres: Sigmund Freud". Após a cremação, as pessoas se afastaram em silêncio. "Eu imaginava minha entrada naquela casa, que guardava uma lembrança nítida do Professor: o odor impregnado de seus charutos. No dia seguinte, entrei em seu escritório para cuidar e limpar cada objeto e cada livro. E ele não estava mais ali".

 

Zweig no Brasil

 

Durante a Primeira Guerra Mundial, em 1915, Stefan Zweig se casou com a escritora  Friderike Maria Zweig. Em 1939, separado, se casou com a secretária Charlotte Elizabeth  Altman, conhecida como Lotte. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e o avanço das tropas na Europa, o casal em 1940 partiu para Nova Iorque. Em agosto do mesmo ano ocorreu sua primeira viagem ao Brasil, seguida de duas mais. Da Bahia, escreveu para seu cunhado: "Você não pode imaginar o que  significa ver este país que ainda não foi estragado por turistas. É uma boa lição ver como se pode viver simplesmente e, comparativamente, feliz. Uma lição para todos nós que perdemos tudo e não somos felizes o bastante agora, ao pensar como viver então".

 

Nesta primeira viagem, com ajuda de Lotte, Zweig reuniu suas anotações pessoais e finalizou o ensaio Brasil, um país do futuro, encomenda do governo brasileiro. O escritor procura encontrar no Brasil as condições para recriar sua vida e a antiga atmosfera da terra natal, apesar da depressão que o acometia.

 

De acordo com a biografia do autor, escrita por Alberto Dines, Zweig seria um dos últimos remanescentes da cultura e do modo de vida europeu do século XIX. Ele foi recebido na comunidade intelectual e por autoridades políticas com entusiasmo. No entanto, a presença do autor com sua bagagem antinazista se opunha ao governo de Getúlio Vargas. Seus ministros e assessores militares eram simpatizantes do nazifascismo.

 

Elementos menos autoritários do governo brasileiro usaram Zweig para seus objetivos. A partir da terceira viagem ao Brasil, o casal decide se estabelecer em Petrópolis, onde finalizou sua autobiografia O mundo que Eu vi  e iniciou O mundo de ontem, trabalho autobiográfico onde descreve a Europa anterior a 1914.

 

Em 1942, deprimido com o crescimento do autoritarismo na Europa e desesperançado, a criatividade de Zweig toma outra direção, uma direção sinistra. Em sua casa de Petrópolis, resolve encurtar os textos e a vida. Redige Declaração, suas últimas linhas escritas: é uma carta amena, consciente, onde se despede da vida. Zweig e Lotte tomam uma dose fatal de barbitúricos. A notícia causou extrema comoção entre os brasileiros e seus admiradores no mundo. O casal foi sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis, de acordo com as tradições fúnebres judaicas. Hoje, a casa onde moraram é um centro cultural dedicado à vida e a obra de Stefan Zweig. O escritor redigiu diversas cartas aos amigos, além da Declaração.

Ressentimento e Vingança

Ressentimento e vingança

 

Guardar ressentimento é como tomar veneno
e esperar que a outra pessoa morra.

 

William Shakespeare

 

Ressentimento não é conceito psicanalítico, trata-se de um termo que designa sentimentos negativos, como: raiva, inveja, vontade de vingança e amargura. É um anseio persistente e repetitivo. O que caracteriza o ressentimento é a queixa recorrente, a impossibilidade do desagravo. Ressentir-se é atribuir a terceiros, o Outro, a responsabilidade do que nos faz sofrer. O ressentimento se situa entre o narcisismo e o Outro.

 

No livro Ressentimento, Maria Rita Kehl trata o assunto do ponto de vista psicanalítico e literário, além de analisar esse comportamento nos movimentos sociais próprios dos regimes democráticos, incluiu uma análise sobre a filosofia de Nietzsche, “O filósofo do ressentimento”.  A obra de Nietzsche foi escrita antes das primeiras publicações de Freud. "O ressentimento a ninguém é mais prejudicial que ao próprio ressentido", afirma o filósofo em Ecce Homo. É uma das condições mais perigosas ao ser humano e, infelizmente, parece ser sua condição moderna. Para Nietzsche, o ser humano declina e o ressentimento pode se tornar perigoso e contagioso, operar uma inversão de valores. "Nenhuma chama nos devora tão rapidamente quanto os afetos do ressentimento".

 

O filósofo considerava o ressentimento uma característica dos fracos. "Vê em tudo que o fere a presença do mal, no sentido moral e em contrapartida elabora a imagem de si mesmo como bom". Na visão de Nietzsche não há uma oposição entre bons e maus, mas entre fracos e fortes, entre os que lutam e os que se submetem, lembra Maria Rita Kehl.

 

Max Scheler

 

No século XX, o filósofo Max Scheller discute as ideias de Nietzsche por meio de  uma visão cristã. Ele apontará a persistência e repetição desse comportamento devido à repressão das emoções, o que causaria o “envenenamento” no indivíduo. Essa repressão levaria o sujeito a afetos marcados pelo ódio, inveja e desejo de vingança. Impedidas de se manifestarem, as emoções reprimidas se voltam contra o próprio sujeito que não se permite responder à ofensa recebida, seja real ou não. 

 

O ressentido seria o indivíduo que posterga seu desejo de vingança, não renuncia, alimenta a raiva e impede o esquecimento da injúria sofrida. O ressentido sofre de “excesso de memória”, jamais esquecerá. É a mágoa que não se supera. O prefixo RE (Ressentimento) aponta para a manutenção do lamento e da acusação contra o Outro. Há um prazer nesse movimento acusatório que permite ao sujeito preservar seu narcisismo e não enxergar o processo de covardia. Dessa forma, ele mantém um ganho secundário e não assume a responsabilidade da situação que o ofendeu. O ressentido não se arrepende, ele acusa. É a grande vítima.

 

Nietzsche

 

Nietzsche percebeu a importância dessa construção e propôs a relação entre sentimento de culpa e masoquismo. Escreveria doze livros entre 1871 e 1888, antes de ser internado com problemas mentais. Morreu em 1900, quando Freud começava a elaborar seu conceito de inconsciente publicado no livro A interpretação dos sonhos. Para Nietzsche nenhum desejo é maior que o desejo de submissão. A memória é uma doença para o ressentido que jamais esquecerá a ofensa, ou a suposta ofensa.

 

Dostoiévsk

 

Na literatura existem várias obras centradas no tema ressentimento. Dostoiévski considerava a culpa capaz de redimir a maldade. Seu romance Crime e castigo nos mostra um Raskolnikov pobre, um ser inconformado com a vida miserável que o aturdia. Raskolnikov pratica um crime e busca a redenção no ato de confessar. É a saída que o personagem encontra para superar o ressentimento. É um drama pessoal e social, narrativa típica dos romances do século XIX. O ressentimento do personagem representa o ressentimento de uma classe pobre na Rússia conservadora.

 

Sandor Márai

 

As brasas de Sandor Márai é outro exemplo de literatura do ressentimento. Uma vingança postergada por quarenta e um anos. As vidas são gastas e vividas em torno de um inesperado encontro. Uma mulher apaixonada e dois homens na mesma história. Um deles é o marido, o outro, o amigo amante que decide viajar. Após os quarenta e um anos, os dois personagens se encontram na casa do marido. O amigo ausente por tanto tempo, resolve voltar à cidade para um diálogo sobre o triângulo amoroso mantido com a mulher apaixonada. Após anos de exílio e solidão, o autor Sandor Márai pôs fim à própria vida. Estaria ressentido?

 

Dürenmmatt

 

Do suíço Dürenmmatt, A visita da velha senhora é mais um romance de sucesso na linha do resentimento. Observa-se um estudo de psicologia social. Expulsa da cidade, pobre, grávida e sob ameaças caluniosas do homem que a amava, a personagem agora afortunada, rica, retorna à cidade. Após décadas de ausência, a velha senhora oferece recursos financeiros à cidade empobrecida. A proposta exige uma condição. Inicialmente a oferta é repudiada, os moradores não a consideram justa. No entanto, adiante, convencidos da validade dos argumentos da velha senhora, os moradores aceitam a oferta e a condição. A condição é a morte do homem que a amava. A condição teria se concretizado?

 

Graciliano Ramos

 

Angústia, romance de Graciliano Ramos, basea-se no ressentimento. O livro aborda o ódio do personagem central por ter sido preterido. A mulher amada causa rancor e ressentimento. Declarado, o ressentimento é mal visto e sugere rancor, inveja. Camuflado exibe outra versão, e o ressentido pode se passar por vítima, alguém portador de excessiva sensibilidade. A falta, a incompletude faz parte do ser humano. O ressentido não se espelha na sua incompletude, não consegue compreender sua deficiência. Como resultado, sua agressividade é parte da pulsão de vida, sempre culpará um terceiro por seu fracasso. A vingança passa a ser fantasia, ele não age nem reage. "É uma vingança imaginária e adiada", afirma Nietzsche.

 

Maria Rita Kehl

 

Relata as diferenças entre ressentimento e revolta. O ressentimento é o avesso da revolta e da ação política. Existe a submissão voluntária, a passividade frente à autoridade que representa a figura paterna, uma infantilização que provoca o ressentimento e mantém o gozo. Manter o sofrimento é perpetuar o gozo.

 

Sigmund Freud

 

Freud considera o ressentimento uma versão do Edipo infantil. É o narcisismo primário que nos mostra o núcleo no qual se funda o ressentimento e nos aponta o lugar onde o sujeito se perdeu. Ele acredita ser propriedade a predileção amorosa por parte dos pais. Freud também fala da covardia moral do neurótico que se submete à coerção do superego e cede em relação ao seu desejo. Apelo infantil ao passado, passado onde era o ser perfeito dos pais. Se não supera essa fase, o sujeito adulto não age, espera  que o destino o faça. Quando não ocorre, a culpa irá recair em terceiros. Esse é o comportamento do ressentido, sempre haverá um culpado por suas frustrações, os representantes das figuras paternas.

 

Quem somos

 

Aqui, nós somos um país de ressentidos, lutamos por nossas conquistas ou nos submetemos aos fatos? Queremos um Pai autoritário e dominador que traçará nosso destino, manteremos a ilusão desse Pai zelador do nosso bem estar ou lutaremos por direitos como tantos povos fizeram, fazem e farão? Nós somos os responsáveis por nossas escolhas, somos o sujeito da nossa História. 

 

Regina Pina

Bibliografia: Ressentimento de Maria Rita Kehl.

Infernal flames Halloween project 😈

Foto / Pawel Czerwinski

Angústia de Tchekhov

 

No conto Angústia, Anton Tchekhov analisa
a perda e a solidão de um homem após a morte
do filho e o seu isolamento social.
O cocheiro Yona não encontra alguém para
desabafar sua perda.
Está só no ambiente escuro, opressivo,
angustiante.

 

A neve encobre a fria paisagem e o cocheiro se acomoda imóvel na boleia da carroça, imerso em tristeza e dor. É uma noite quase sem clientes e a espera aumenta a angústia. As pessoas da cidade são impacientes e agressivas, o cocheiro se sente desacolhido. Eis que surge um passageiro, Yona tenta falar sobre a morte do filho e seu luto, a voz falha, não consegue articular as palavras. Quando finalmente consegue, o passageiro, um militar, não dá atenção e dispara xingamentos por terem se perdido no caminho.

 

A viagem seguinte parece promissora, mas não é. São três rapazes nada agradáveis que também o insultam, não o escutam, conversam e gritam entre si. Aumenta o desejo de falar sobre a morte do filho, desejo que o sufoca.

 

- Não haverá alguém capaz de me ouvir?

 

As pessoas passam cada vez mais apressadas. Yona tenta conversar com um zelador e um cocheiro. Eles o ignoram. Decepcionado, decide ver seu cavalo e inicia uma conversa com seu companheiro fiel no trabalho, enquanto ele come aveia. Neste momento recebe as atenções não recebidas dos seres humanos. Agora Yona se sente acolhido e livre para falar sobre sua perda. "O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão do seu amo... Yona anima-se e conta-lhe tudo".

 

O que a Psicanálise nos diz sobre
o conto de Tchekhov

 

Nesse conto o desejo surge da solidão e do isolamento. A dor é enorme, a angústia se torna insuportável. Yona segue a história em busca de alguém que o escute e finalmente descobre que o companheiro e amigo, seu cavalo, estava com ele desde o início.

 

Antes que o método freudiano de cura pela fala se tornasse popular, este texto foi publicado em 1886 e nos mostra como ser ouvido aplaca a angústia. O mundo de Yona não se revela tão diferente dos tempos atuais. Vivemos com pressa, nossas relações são frágeis e nos tornamos seres humanos solitários, angustiados, tal como Yona vivia. Estamos em busca de quem nos escute.

 

Anton Pavlovitch Tchekhov

 

O escritor de múltiplas faces, o mestre das narrativas curtas, o poeta do cotidiano nos mostra a imensidão do ser humano e do mundo. Nas palavras de Alfredo Bosi: "um pescador de momentos singulares cheios de significação”. As obras completas do autor incluem 30 volumes. Tchekhov começou a escrever ainda jovem e publicou seus contos em revistas sob o pseudônimo Antocha Tchekhontê, enquanto cursava medicina. Sua obra apresenta traços peculiares de um humor "puramente Tchekhoviano", nos diz Nabokov. 

 

"As coisas para Tchekhov eram engraçadas e tristes ao mesmo tempo, não se pode enxergar a tristeza se não se enxergar a comicidade, pois ambas estão ligadas.”

 

Em 1888 escreve uma de suas obras mais importantes, a novela Estepe. Ele descreve a planície russa e seus moradores sob o olhar de um garoto que viaja com o tio e um padre ao local onde iria estudar. Neste mesmo ano recebeu o Prêmio Pushkin, o maior reconhecimento literário concedido pela Academia de Ciências da Rússia. 

 

Obras do autor

 

Virginia Woolf considerava suas obras de uma sutileza inigualável ao descrever as relações humanas. "Quando escrevo confio inteiramente no leitor, supondo que ele próprio acrescentará os elementos subjetivos que faltam ao conto", dizia o autor.

 

Entre as obras, citamos: A dama do cachorrinho, um dos últimos contos. A história de um amor que transtorna a vida e a alma dos personagens. Tchekhov mostra por meio de frases, reflexões e comportamentos a alma do personagem. Enfermaria 6 nos apresenta um médico e um louco com mania de perseguição. Há uma aproximação entre eles, ambos se perguntam sobre o sentido da vida. A partir deste momento o médico passa a ser visto com desconfiança por aqueles que estão próximos. Em O Monge Negro, até que ponto a loucura (a parte intrínseca da genialidade) é algo ruim? Será a loucura de todo negativa? O jovem intelectual Kovrin apresenta um esgotamento nervoso. Ao seguir o conselho médico, resolve descansar na casa de seu antigo tutor e acaba por se casar com a filha do tutor. Surgem visões de um monge negro com quem tem longas conversas. Certamente está doente, dizem os familiares. Com muito esforço, Kovrin se liberta das visões. As visões se foram, ele retorna à normalidade e à mediocridade. Afinal, o que representa a loucura?

 

Teatro

 

Se a loucura fazia de Kovrin um gênio com ideias e visões que o diferenciava dos demais, essa loucura o castigava. É a base do conflito. Várias obras de Tchekhov foram encenadas como A gaivota, As três irmãs, Tio Vânia e O jardim das cerejeiras. Mostrou no palco o drama da vida, o mundo real. O conto Angústia é considerado uma obra-prima, onde desnuda o ser humano, exibe sua dor, sofrimento e solidão. 

O Pensador de Rodin
Balzac

Rodin e Balzac

 

Em 1891, a Société de Gens de Lettres encomendou a Rodin, então com 51 anos, uma escultura do romancista e dramaturgo francês  Honoré de Balzac (1799-1850). A obra deveria ser concluída em dezoito meses. Rodin levou sete anos para realizar o trabalho. Leu as obras de Balzac, estudou sua personalidade, visitou Touraine, cidade natal do autor e, para completar, encomendou ao alfaiate de Balzac roupas idênticas às de Balzac.

 

Na primeira versão elaborada em 1893, a figura do escritor apoia os braços sobre uma volumosa barriga nua e sem roupas. A escultura causou enorme indignação (hoje no museu). Em versão posterior, Rodin retratou Balzac inclinado para trás, parecia estar despenteado, e vestia uma capa inspirada no manto usado para escrever durante a noite. No Salão de Paris, em 1898, a escultura chocou o público. A Sociedade rejeitou a obra encomendada.

 

Poucos conseguiram explorar o bronze como Auguste Rodin (1840- 1917), um dos maiores escultores da humanidade. O Musée Rodin foi inaugurado em 1919, no Hotel Biron, local utilizado como oficina pelo escultor desde 1908. O museu reúne obras de Rodin e toda a coleção do artista, pinturas de Van Gogh e de Pierre-Auguste Renoir. As obras foram adquiridas juntamente com as do Antigo Egito, Grécia, Roma e do Extremo Oriente. O acervo possui 6.600 esculturas, 25.000 fotografias, 8.000 desenhos, 7.000 objetos de arte.

 

Após observar as esculturas mais famosas de Rodin na parte frontal do jardim, o visitante percorre as dezoito salas do Hotel Biron e admira as consideradas polêmicas: "O homem que caminha", alguns estudos para o busto de "Victor Hugo", o "Monumento a Balzac" e  finalmente a obra que trouxe reconhecimento artístico a Rodin: "São João Batista pregando" (1878).

 

E o Pensador?

Humanos e Contemporâneos

Foto / Anthony Delanoix

 

Humanos e Contemporâneos

 

Meditar sobre a finitude
é meditar sobre a liberdade.

 

Montaigne

 

Ao buscar um lugar no mundo em transformação, o ser humano necessita passar por alterações singulares. Que valores passam a nortear nossa vida? Como aplacar a angústia e o medo de um futuro incerto?

 

Na psiquiatria de outros tempos, tivemos a era dos comprimidos que prometiam a felicidade e algumas terapias pretensamente milagrosas. Assim como outros tratamentos, atualmente a psicanálise também procura se modernizar, se adaptar ao mundo que se modifica, o mundo da mutação constante. É um desafio para o terapeuta acompanhar o indivíduo nessa jornada, caminhos por vezes tortuosos e sofridos em busca de uma vida mais consciente e prazerosa. 

 

Roudinesco nos diz que a psicanálise  poderá  considerar intervenções mais curtas, afinal  a vida está cada vez mais rápida, mais acelerada, as mudanças são imediatas. O processo psicanalítico propõe anos de acompanhamento, mas avaliar alternativas mais curtas seria compatível com a vida atual, tratar psicanaliticamente situações específicas em espaços de tempo menores.

 

Pascal considerou a solidão no século XVII. Para ele, as pessoas são incapazes de admitir sua condição miserável e mortal. Não querem refletir sobre a dor e a morte.

 

O nosso espírito é uma caverna,
falta ao homem eternidade.


Platão

 

À procura de algum objeto capaz de preencher o mundo interior, o ser humano pretende evitar o vazio que jamais será preenchido. Albert Camus nos lembra do apego à religião, à ciência... para que possamos aplacar nossos medos: “O preço da liberdade é a eterna angústia”. 

 

O homem é o lobo do homem

 

O ser humano, afirmava Sigmund Freud, está longe de ser considerado uma criatura branda em busca de amor, na verdade possui forte dose de agressividade. O seu desejo em relação ao próximo é dominá-lo, humilhá-lo e quiçá, matá-lo. Colocar limites nas pulsões agressivas, seja por meio de normas ou do superego, instância fundamental ao nosso desenvolvimento psíquico, são as formas encontradas na sociedade que limitam a natural agressividade dos humanos, quando conseguem limitar.

 

Freud: "A questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos humanos de agressão e autodestruição".

 

Restará aos humanos conciliar as pulsões de vida e morte para encontrar o caminho da vida.

Thomas Mann

Longa é a viagem rumo
a si próprio, inesperada
é sua descoberta

 

Thomas Mann 

 

Ensaísta, romancista, considerado um dos grandes escritores do século XX, Thomas Mann nasceu em 1875, na cidade de Lübeck, na Alemanha. Filho do comerciante e político Thomas Johann Heinrich Mann e da esposa Júlia da Silva Bruhns, nascida em Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, cidade aonde o avô do escritor, Ludwig Herman Bruhns, chegou no século XIX em busca de oportunidades. Ludwig conseguiu o que desejava, enriqueceu. Johann e Júlia tiveram dois filhos escritores de fama, Paul Thomas Mann e Ludwig Heinrich Mann.

 

Hoje a casa de Paraty é um museu abandonado, semidestruído, construção do século XVIII à beira mar. Por entre as frestas das paredes rompidas, observa-se os séculos, o descaso e o mofo. A casa está sob orientação do navegador Amyr Klink, mantenedor da marina ao lado, após longa demanda jurídica. O navegador enfrenta dificuldades para encontrar R$1.8 milhão de reais, valor necessário na recuperação do patrimônio cultural. O local é denominado Engenho Boa Vista.

 

O avô de Mann, destino não se consegue evitar, enviuvou. Ao tentar se esquivar da epidemia de cólera que se alastrava, enviou os cinco filhos para a Alemanha. Julia inicia os estudos no internato e ao sair se casa com o comerciante alemão Johann Heinrich Mann.

 

Julia, destino não se consegue evitar, ficou viúva em 1892 e foi para Munique promover saraus literários. Foi nesse ambiente que o autor viveu e respirou os ares de uma vasta cultura. Mann foi ligado à filosofia de Nietzsche e Schopenhauer e ao universo wagneriano. Seu primeiro romance "Os Buddenbrooks", de 1901, inspirado na própria família, relata a saga de comerciantes abastados. O romance lhe trouxe fama internacional, e de quebra, o Nobel de Literatura. Era o ano de 1929.

 

Thomas Mann em suas obras falou sobre temas como a sociedade e seus valores, o significado da vida, a alienação do ser humano e seu individualismo, as forças que culminam na doença e na morte.

 

Freud, aversão e paixão

 

Thomas Mann não concordava com as ideias de Freud, posição que durou até perceber a identidade que existia entre sua obra e o do psicanalista. Em reconhecimento ao trabalho de Freud, escreveu dois textos: "Freud e o pensamento moderno", publicado em 1929, e “Freud e o futuro”, escrito em 1936 quando o criador da Psicanálise completava 80 anos.

 

O texto de Freud que mais o impressionou foi Totem e Tabu: "Incita-nos mais do que a uma simples meditação sobre a espantosa origem psíquica do fenômeno religioso e sobre a natureza profundamente conservadora de toda reforma", escreveu Mann.

 

Em Maio de 1936, o escritor pronunciou em Viena um discurso lírico em honra ao "psicólogo do inconsciente" e leu pessoalmente o texto para Freud. Em carta a Arnold Zweig, Freud registrou como ficara emocionado. Neste ensaio Mann demonstra sua admiração pelo autor e por sua obra. 

 

Hitler

 

Quando Hitler chega ao poder em 1933, Mann emigra da Alemanha para Zurique. Diante da política instaurada, o escritor perde a nacionalidade alemã em 1938 e viaja para os Estados Unidos onde obtém a cidadania americana.

 

O fim

 

Mann Retorna à Europa em 1952 e vive em Zurique até os 80 anos. O escritor morreria em agosto de 1955. "No mais  profundo de si mesmo um artista é sempre um aventureiro".

 

Algumas obras

 

Romances

 

- Morte em Veneza, 1912.

- A Montanha Mágica, 1924, relato sobre a Europa prestes
à Primeira Guerra Mundial. 

- Um sanatório em Davos para doentes do pulmão.
Tratamento e, muitas vezes, morte.

- Cabeças trocadas, neste romance o autor muda um pouco o estilo.

- Tonio Kruger e o famoso Doutor Fausto, releitura da lenda de Fausto.

- As confissões de Félix Krull, 1954, último romance.

 

Ensaios

 

- Travessia marítima com Dom Quixote

- Pensadores modernos

- O escritor e sua missão

.

O homem é virtude
e pecado.

Para encontrar a redenção
da alma
é necessário pecar.

 

O Eleito - Thomas Mann em busca de um tema para o herói Adrian Leverkühn, protagonista de Doutor Fausto, se deparou com a lenda do Papa Gregório, considerado o "Édipo cristão", fruto de um incesto, "possuidor da força do arrependimento e do poder para perdoar todos os pecados".

 

O romance escrito em 1951, O Eleito, foi o penúltimo livro do autor. Narrado por um monge irlandês que se encontra no mosteiro de Sankt Gallen, hoje Suíça. Ele reconta a epopeia medieval do Papa Gregório, dividido entre ser fruto de um pecado e o desejo de servir a Deus. A história é narrada na corte do Duque Grimaldo. O casal é abençoado depois de anos com o nascimento dos gêmeos Viliguis e Sibilla. Mas ao nascimento dos gêmeos, junta-se a tristeza da morte. A mãe de Gregório falece. 

 

Gêmeos criados com muito amor pelo pai que demonstra predileção pela filha. São unidos, únicos, elevados, assim se consideram (Em nossa análise, o autor revela que os irmãos estão presos à fase inicial do narcisismo primário). Incomodam as pessoas que se aproximam, até mesmo o pai que não tarda a morrer. Na mesma noite iniciam um relacionamento incestuoso, por sensualidade, ou talvez por formarem um só elemento. O pai vivo seria a interdição de um desejo incestuoso já existente. Morto, os irmãos concretizam esse desejo. Permitam os leitores nossa interpretação desse episódio. Surge a gravidez de Sibilla, nesse momento o casal se dá conta da realidade e do ato infame praticado. Viliguis parte em penitência rumo à Terra Santa e, ironia, encontra a morte em batalha, enquanto sua irmã assume o Reino.

 

Envolta em tecidos finos, dois pães recheados de ouro e uma tabuleta com a inscrição de sua origem hedionda, a criança é colocada em um barril e lançada ao mar. Como na história de Moisés, seu destino seria entregue a Deus. O menino é encontrado e criado a mando dos monges por uma família de pescadores, paga para essa tarefa com o dinheiro dos pães, até o momento de ser educado no monastério, onde recebe o nome de Gregorios.

 

Surgem as desavenças. A inveja abre as portas, os filhos da família de criação disputam o ódio. Ao descobrir a verdade confessada por aquele monge que lhe apresenta a tabuleta e os demais pertences, Gregorius resolve partir em busca de suas origens. Já adulto, o destino promoverá um encontro com sua mãe Sibilla, agora rainha. E ao ignorar os laços de sangue, mãe e filho se casam em total ignorância das relações incestuosas. Ao descobrir a verdade, como Édipo, ele abandona o Reino e parte em busca de expiação para os seus pecados e passa 17 anos em local ermo, acorrentado num penhasco. Suporta o frio, o calor, e se alimenta de uma seiva que escorre entre as pedras – voltamos à análise - talvez a metáfora do leite materno.

 

Chega o momento do perdão divino, sinal de Deus. E após uma mensagem recebida por emissários de Roma, Gregorius é resgatado, e se torna o guardião das chaves da Igreja em Roma. Após a expiação e redenção da alma ele se tornará o  Papa Gregorio e reencontrará a sua mãe, também em busca do perdão divino.

 

O livro O Eleito não encontra base na realidade, a Igreja católica teve 16 papas de nome Gregorio, sendo o mais conhecido o primeiro, São Gregorio Magno. Thomas Mann se inspirou no poema épico medieval de Hartmann von Aue.

 

RESUMO - Thomas Mann neste romance aborda vários temas como o incesto, a história de Moisés, o mito de Édipo, as disputas e inveja entre irmãos, o pecado, a culpa e a busca da salvação e redenção da alma, por meio da expiação dos pecados, como observamos no hino entoado no inicio da Vigília Pascal:

 

Ó pecado de Adão indispensável 

pois o Cristo o dissolve em seu amor,

ó culpa tão feliz que há merecido 

A graça de um tão grande Redentor. 

Sándor

Escultura de Sándor Márai em Kosice,
terra natal.

Sándor Márai

 

O húngaro Sándor Márai
foi o cronista
perspicaz de um mundo em colapso.

Le Monde

 

Jornalista, considerado um dos principais escritores da língua húngara, teve mais de 60 obras publicadas entre romances, poesias e crônicas. Estamos falando de Sándor Márai. O escritor nasceu no ano de 1900, em Kassa, uma pequena cidade da Hungria. Hoje Eslováquia, na época integrava o Império Austro-húngaro.

 

Vai para Berlim em 1919, em seguida para Frankfurt. Nesta cidade trabalhou como jornalista e foi eleito membro da Academia Húngara de Ciências, em 1946. Após casar, passou por momentos difíceis na Europa, quando faltou dinheiro. Sándor retorna com a mulher para a Hungria em 1948, abandona Budapeste por discordar do regime comunista. Seu desejo é tornar-se cidadão americano. Maior parte de suas obras foram escritas entre 1928 e 1948, sempre em húngaro.  

 

As opiniões contrárias ao regime comunista trouxeram prejuízos à carreira, as obras foram proibidas e o autor caiu no esquecimento. Somente após o fim da Guerra Fria, os livros voltaram a ser publicados. Sándor considerava a liberdade de pensamento fundamental, o indivíduo deveria se expressar e ser respeitado.

 

Um tiro

 

Obrigado a se exilar, morou na Itália, Suíça, Inglaterra e Nova York. Ao fim desse longa caminhada, conseguiu se estabelecer na Califórnia, em San Diego, onde viveu até cometer suicídio com um tiro na cabeça, em 1989, sete meses após a morte de sua mulher. Coincidência macabra: ano da queda do muro de Berlim.

 

Sua obra é  comparada a um dos mais importantes escritores alemães do século XX, Thomas Mann, e a Gyula Krúdy, autor húngaro muito admirado em seu país. Sándor Márai em suas obras escreveu sobre o amor, a paixão, a dor e a morte, as aventuras emocionais do ser humano, seus conflitos, suas angústias.  Ainda dedicou escritos às guerras, sua pátria  invadida e dominada, e a decadência da sociedade burguesa. 

 

Obra do autor

 

As Brasas é o  livro mais conhecido e cultuado do escritor. Conta a história de dois amigos, o fantasma de uma mulher, e um acerto de contas ocorrido 41 anos após os acontecimentos. É uma história de amor, amizade, traição e ressentimento. O livro Foi escrito em 1942.

 

O legado de Eszter

 

Em 1939 escreveu a história de uma mulher e o retorno do único homem que amou, retorno à casa da família. Tratava-se de um mentiroso, sedutor, usurpador do patrimônio familiar.

 

Divórcio em Buda

 

Dois homens amam a mesma mulher, Anna. Após a separação de um deles, o marido, Anna se mata. O viúvo se dirige ao juiz de direito que trata do processo de separação, o outro admirador de Anna, e relata a morte da ex-esposa. Arrasado, o juiz mergulha em profundas lembranças. O romance mostra a decadência da sociedade burguesa diante da Segunda Guerra Mundial, livro escrito em 1935.

 

Escreveu obras consideradas importantes. Os Rebeldes, ano 1930, período mais produtivo da sua carreira. As dificuldades e as dores da passagem à vida adulta. Veredicto em Canudos, no sertão da Bahia, escrito em 1960, após ter lido Os Sertões de Euclides da Cunha. Confissões de um burguês, escrito entre 1934-1935, é um retrato da formação do autor e seu permanente estado de ebulição interna. De Verdade é um livro considerado por vários críticos sua obra máxima. A história é passada ao longo de quatro décadas. Na voz de quatro narradores, expõe as marcas de uma capital agonizante, cercada pelos comunistas, e mostra os conflitos do ser humano. O livro é de 1941. Libertação foi publicado postumamente em 2000, escrito logo após a Segunda Guerra Mundial. Jogo de cena em Bolzano, escrito em 1940, parte de um episódio sobre a fuga de Casanova após passar 16 meses em uma prisão de  segurança máxima. Neste romance o autor constrói monólogos filosóficos e aforismos primorosos. 

 

Sándor Márai e Franz Kafka

 

Sándor Márai considerava Franz Kafka o escritor mais influente do século XX, a quem dedica uma página em Confissões de um burguês. "Foi como o encontro do sonâmbulo com o caminho  reto". "Nunca imitei Kafka, mas hoje sei que alguns de seus escritos, pontos de vista, concepções iluminaram em mim territórios escuros".

 

Homenagem póstuma

 

Em 1990 recebeu o Prêmio Kossuth, o maior reconhecimento literário na Hungria. Oito anos mais tarde, o crítico literário Marcel Reich-Ranicki recomendou publicar as obras do autor na Alemanha, fato considerado um acontecimento literário no país. Após anos de esquecimento, seu nome está presente entre os mais importantes escritores da Europa.

Fiódor Dostoiéviski

Fiódor

Sala onde Dostoiéviski escreveu
Os Irmãos Karamasov.

Sala de Fiódor

Se Deus não existe,
tudo é permitido

 

Fiódor Mikhailovitch Dostoiéviski

 

Médico do exército, despótico, conduta rígida, o militar acabou assassinado provavelmente por seus empregados. Dostoiévski desejava a morte do pai e acabou por desenvolver o sentimento de culpa após o real assassinato do pai, assassinato do qual não participou. Anos depois Sigmund Freud trabalhou esse tema no célebre texto Dostoiévski e o parricídio. "O importante não é quem matou o pai, mas como aqueles que também desejaram a morte viverão com a culpa".

 

Nascido em 1821 e falecido em 1881, Dostoiévski carregou durante a vida sua companheira inseparável, a frágil saúde. Após a morte do pai e as culpas construídas, vieram as crises de epilepsia que agravaram o estado de saúde do escritor.

 

Na prisão, acusado de tramar contra o Ksar, escreveu: “Um tempo em que fui enterrado vivo e trancado numa tumba”, assim se referia aos quatro anos vividos na prisão siberiana. Descobriu Deus e os Evangelhos, a única leitura permitida aos prisioneiros. Após os quatro anos na Sibéria, experiência das mais torturantes, o escritor mudou a maneira de sentir a vida, tornou-se mais amargo. E isso se refletiria em sua obra, na interpretação dos sentimentos humanos dos personagens atormentados, sofridos.

 

Após perder constantemente as economias, um jogador compulsivo, pedia perdão à mulher e passava a escrever como jogava. Compulsivamente. A psicanálise ocupou-se das obras de Fiódor Dostoiévski, especialmente dos Irmãos  Karamazov. Ele escreveu sobre a alma, o ser humano e seus conflitos internos. Freud dizia que Dostoiévski antecipou o que ele viria a descobrir muitos anos depois.

 

Escritores como Kafka e Nietzsche se inspiraram nas obras do autor. Os Irmãos  Karamázov era a preferida de Sigmund Freud. Os personagens de Dostoiévski são  intensos, carregam culpas, representam pessoas sem rumo. Mas os romances têm uma característica salvadora, apontam para a redenção. Após os nove romances editados no idioma russo, só conseguiria notoriedade no idioma de Shakespeare, com Lolita.

 

Dostoiévski, endividado, escrevia para sobreviver, no entanto distribuiu talento nas páginas com a tinta do escritor que um dia seria referência. Engenheiro por formação, na vida produtiva só trabalhou como escritor. Redigiu romances, novelas, contos, memórias, escritos jornalísticos e escritos críticos. Editou revistas e participou de atividades políticas. Abordou o sentimento de culpa, o livre-arbítrio, o cristianismo, o racionalismo, o niilismo, a pobreza, a violência, o assassinato, o altruísmo, além de analisar transtornos mentais ligados à humilhação, ao isolamento, ao sadismo, ao masoquismo e ao suicídio.

 

Dostoiésvski influenciou a literatura, a filosofia, a psicologia e a teologia. É reconhecido como precursor dos movimentos nietzscheanismo, psicanálise, expressionismo, surrealismo, teologia da crise e existencialismo.

 

Ler Dostoiévski é conhecer o ser humano com suas fraquezas e indecisões.

 

Algumas obras:

 

Crime e castigo 

Os Irmãos Karamazov
(Escrito pouco antes de morrer, existiria uma continuação?)

Humilhados e ofendidos 

O idiota

O adolescente 

Os demônios 

Memórias do subsolo

O duplo 

O jogador 

Gente pobre

O eterno marido 

Joseph Rudyard Kipling

 

Admirou o mar de Copacabana, em frente
ao  Copacabana Palace,
hotel onde se hospedou quando de sua
viagem ao Rio de Janeiro.

Rudyard Kipling
Kipling

Residência de Kipling entre 1865/1936,
hoje um hotel.
Fotos / José Américo

Kipling

,Nascido em 1865, em Bombaim, Índia Britânica, o famoso escritor e poeta Joseph Rudyard Kipling estudou em Londres. Kipling retornou a Bombaim para exercer a função de correspondente internacional do jornal The Pioneer.

 

Viajou a Cingapura, Japão, Estados Unidos, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Em 1894, publica O Livro da Selva. E escreve o famoso Kim, em 1901, considerada sua melhor obra literária.

 

O homem que queria ser rei foi muito criticado por defender o imperialismo britânico, compreendido como porta voz do sistema. Ainda jovem, laureado com o Nobel de Literatura, em 1907, torna-se o primeiro escritor de língua inglesa a receber o prêmio. 

 

Em 1927, esteve no Brasil. Celebrado no Rio de Janeiro, foi agraciado na Academia Brasileira de Letras com honrarias. Este episódio é descrito pelo imortal Raimundo Magalhães Júnior, autor do prefácio de Cenas Brasileiras, livro escrito por Kipling. A edição brasileira é de 1977, Editora Record, e atualmente só encontrada em sebos. 

 

Kipling escreveu várias crônicas sobre a viagem ao Brasil para o jornal Morning Post, crônicas que se transformariam no livro Cenas brasileiras. Sua visita dura cinco semanas e se inicia às vésperas do  Carnaval. Pessoas fantasiadas desfilam nas ruas com alegria, cantam marchas carnavalescas, e o escritor fica encantado.

 

Visita ao Rio de Janeiro

 

No Rio de Janeiro, visitou o Jardim Botânico, viu as Vitórias Régias, que talvez nunca tivesse visto, admirou o mar de Copacabana, em frente ao  Copacabana Palace, hotel onde se hospedou. Anteriormente conheceu o Nordeste, Bahia e Recife. Em São Paulo, resolveu conhecer o Butantã, serpentes e tarântulas, por ele descritas como “obras do diabo”. Percorreu algumas fazendas no interior paulista e provou do nosso café. "Nunca experimentei um produto de tamanha qualidade", disse.

 

Uma viagem original, inesquecível, como consta nos relatos do autor. Kipling morreria em 1936, aos 70 anos. Está sepultado na Abadia de Westminster. 

Montblanc

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O veneno dos livros

O veneno dos livros

Um dos livros encontrados
na Universidade da Dinamarca.

Pesquisadores descobriram que as capas de três livros continham o mesmo elemento químico, arsênico, uma das substâncias mais tóxicas que existem. Datavam dos séculos XVI e XVII, mas o poder de intoxicação não diminuiu com o passar do tempo. Após estudos realizados por pesquisadores dedicados (Jakob Holck e Kaare Lund), professores de química, física e farmácia da Universidade SDU, o enigma ficou esclarecido. Não se tratava de um complô, como descrito no livro de Umberto Eco. Os livros da Universidade estavam cobertos por uma tinta verde contendo arsênico, tinta decorativa provavelmente usada para colorir as capas.

 

Essa capacidade tóxica do arsênico só foi descoberta no século XIX, antes era comum o uso de tintas a base desse produto. Após a descoberta ocorrida por acaso, os livros foram colocados em armários especiais e só manipulados por especialistas com luvas.

 

Vamos imaginar que várias obras acadêmicas antigas, especialmente as que exibem o tom Verde Paris, cor encontrada nos livros dinamarqueses, possam estar contaminadas.

Bovarismo

Gustave Flaubert

Madame Bovary
e o bovarismo

 

O poder atribuído ao homem
de conceber-se outro.

 

Jules de Gaultier

 

Há séculos o homem se pergunta
Quem somos realmente?
Objeto de estudo em filosofia,
psicologia, neurociência,
essa pergunta requisita outras:
O que queremos, o que  buscamos?

 

Há pouco mais de um século, o filósofo francês Jules de Gaultier, ao se inspirar em Madame Bovary, de  Gustave Flaubert, definiu a sensação permanente de insatisfação com o bovarismo. No livro de Flaubert, Emma Bovary se sente presa a um casamento indefinido, uma vida de tédio, e inicia o processo de olhar o mundo como nos romances que leu durante a juventude. Haveria uma alternativa para Emma? A personagem de Flaubert termina por se envolver em adultério e muitas dividas.

 

No bovarismo a vida se transforma e se torna mais excitante? O bovarismo era considerado em termos clínicos uma deformação da realidade, um estado de insatisfação crônica no qual o indivíduo cria uma personalidade imaginária, fantasiosa, mas essa criação não representa uma fuga à realidade, representa, sim, uma busca constante de satisfação.

 

A educação sentimental, do mesmo autor, é um romance que acontece em 1840. Frédéric Moreau, o jovem que deseja alcançar sucesso em Paris, pode ser considerado outro exemplo de bovarismo. Ele não consegue construir uma vida real, se apaixona por uma senhora mais idosa do que ele, esposa de Jacques Arnoux, e gasta a herança recebida com o trapaceiro Arnoux. A psicanálise mudou o conceito de bovarismo, considera-o uma característica do ser humano, ou seja, viver entre sonho e realidade. Desde os estudos de Freud, o sujeito é considerado um ser dividido em permanente conflito, “desejante”, insatisfeito em busca de algo não idêntico a "si mesmo". Somos muitos, apesar de únicos.

 

Para Lacan, o bovarismo é essencial ao ser humano por transformá-lo, remodelá-lo, é um estado emocional permanente que o faz adquirir conhecimentos, apesar de continuar descontente, insatisfeito. O ser humano tenta suprir o vazio existencial. O bovarismo pode ser a mola impulsora do progresso individual, refletir no progresso de uma nação ou poderá levar o indivíduo a viver em condições fantasiosas, dono de uma personalidade imaginária. Essa forma de agir é associada à mitomania, onde o sujeito tem a visão distorcida de si e de sua relação com a realidade.

 

No livro O bovarismo brasileiro, Maria Rita Kehl diagnostica essas manifestações. Ao citar o personagem Rubião, de Quincas Borba, a psicanalista revela um exemplo típico de bovarismo. No romance de Machado de Assis, o personagem recebe uma herança e segue para o Rio de Janeiro. Ao se estabelecer na cidade, ele tenta ser outro, não constrói uma vida autêntica, prefere copiar o modelo de sociabilidade vigente na corte de Pedro II, o modelo importado da Europa.

 

Quando não empregado para implementar o progresso, o bovarismo leva à criação de um sujeito caricato buscando ser o que não é. Vivemos em uma sociedade bovárica? O desenvolvimento da mitomania é a negação da história pessoal ou da condição social do indivíduo. Aquele que mente conscientemente por não aceitar a própria realidade, adquire dependência da mentira e passa a agir de forma compulsiva, capaz de acreditar nas histórias criadas. É considerado um transtorno psicológico grave e deve ser tratado. Não devemos confundir esse transtorno com a esquizofrenia ou outras psicoses.

 

Emma Bovary, por se envolver em adultérios e dívidas, descobre na morte a saída do seu mundo. Afinal, como diria o filósofo francês Roland Barthes: "nous sommes tous des Madame Bovary".

A medida de uma alma
é a dimensão
do seu desejo

 

Gustave Flaubert

 

Gustave Flaubert nasceu em Rouen, França, (1821-1880) e marcou a literatura em profundidade com suas narrativas baseadas nas análises psicológicas dos personagens, além do estilo forte ao revelar o comportamento da época.

 

Aos 16 anos se apaixona por uma mulher casada e mais velha do que ele, e inspirado, Flaubert escreve seu primeiro livro, Memórias de um louco, obra de caráter autobiográfico publicado postumamente em 1901. Surge Elisa Schlésinger, eterno amor de Flaubert que terminaria sua vida em um asilo. Este manuscrito também o inspirou a escrever as duas versões de A Educação sentimental. O primeiro esboço é datado de 1845 e foi concluído em  1869.

 

É reprovado ao tentar entrar na faculdade de Direito. O sonho da faculdade não era do escritor, era do seu pai. Nesse momento surgem as alucinações e perdas de consciência, diagnosticadas como de caráter histérico. E seu pai o interna em um asilo, em Croisset, às margens do Sena. O jovem melhora. As crises só retornariam no final da vida. O pai e a irmã falecem durante o retiro.

 

Flaubert dedica-se à literatura. Nesse período ocorrem transformações na França, a Revolução de 1848. O neto de Josefina assume o poder, Napoleão III, e se torna Imperador da França. Era o ano de 1852. Esses temas serão abordados no livro A Educação sentimental, considerado um dos mais importantes romances do século XIX, elogiado por  Henry James, Emile Zola e Franz Kafka. O personagem Frédéric Moureau testemunha esses acontecimentos  e ao mesmo tempo se apaixona perdidamente por uma mulher casada, mas não consegue dar um rumo a sua vida.

 

Outro importante romance, Salammbô, conta  a reconstituição da civilização  Cartaginense após as guerras púnicas. Para escrever este livro,  Flaubert viajou ao Oriente, Egito, Jerusalém, Constantinopla e Itália. Em 1851, inicia a obra que o tornaria famoso, Madame Bovary. Levaria cinco anos para ficar pronta. Recebe A Legião de Honra do governo francês, em 1866.

 

Em 1874, pública a terceira versão de As tentações de Santo Antão, obra inspirada no quadro de Bruegel. Um asceta egípcio do século III que partilhou seus pertences com os necessitados. E passou vinte anos no deserto dedicando-se à  meditação. Sofreu várias espécies de tentações diabólicas, mas se tornou o símbolo da renúncia à vida mundana e ao pecado.

 

À beira de uma crise nervosa, publica ao final da vida o romance Três contos. Um coração simples, A lenda de São Julião e Herodias (conto em torno de São João Baptista), considerado uma obra-prima da literatura francesa. Sua obra inacabada, Bouvard e Pécuchet, foi publicada posteriormente. 

 

Madame Bovary

 

Ao ser publicado, o romance Madame Bovary é fortemente criticado pelos conservadores. Flaubert desafia os valores burgueses, é obrigado a omitir uma cena considerada imoral, a cena do fiacre, e mesmo assim a censura proíbe a publicação da obra. Em 1857, Flaubert é processado por imoralidade, sendo absolvido pela Sexta Corte Correcional do Sena, em Paris. Àqueles que  perguntavam quem era Emma Bovary, o autor respondia: “Madame Bovary sou eu”.

 

Flaubert foi um dos mestres do Realismo, movimento  estético em reação ao Romantismo. Contemporâneo de  Baudelaire, atualmente é considerado um dos grandes romancistas do século XIX. Foi influenciado por Honoré de  Balzac em seu livro A Mulher de Trinta anos. Seus romances sempre buscaram o cuidado na escolha do vocabulário e na estruturação do enredo.

 

Para Flaubert "a vaidade é a base de tudo, e no final das contas o que  chamamos de consciência é apenas a vaidade interior". Uma metáfora  sobre a natureza  humana e sobre quem realmente somos.

Machado

Machado de Assis e Joaquim Nabuco, 1906.
Acervo / Biblioteca Nacional

As epidemias
de Machado

 

A mão e a luva

 

"Não seria conveniente expor-se ao sol, sobretudo neste tempo de epidemias", alerta um certo personagem ao ver a baronesa, madrinha da protagonista, ao tentar demove-la de uma viagem programada. No entanto o motivo dissimulado do “alerta” era outro e visava apenas Guiomar, a sobrinha da baronesa. O personagem enfatiza o "perigo de afrontar o cólera-morbo, que por aquele tempo corria em alguns pontos do interior", e acrescenta "... em Cantagalo havia aparecido o terrível inimigo".

 

Memórias póstumas de Brás Cubas

 

Brás Cubas, morto durante todo o romance, nos relata a morte de uma jovem pretendente na ocasião da primeira chegada da febre amarela por estas bandas. "Doeu-me um pouco... todas as outras mortes”.  

 

Personagem título de outro romance, Quincas Borba, o mineiro de Barbacena, explicará a Brás Cubas: "Epidemias são úteis à espécie, embora desastrosas para uma certa porção de indivíduos... Por mais horrendo que fosse o espetáculo, havia uma vantagem de muito peso, a sobrevivência do maior número".

 

No fim do diálogo, perguntará Quincas Borba a Brás Cubas se ele não sentia "... algum secreto encanto em ter escapado às garras da peste". Ao considerar a pergunta insensata, Brás Cubas não responde. 

 

Quincas Borba 

 

Antes de morrer alienado, Quincas Borba torna a falar das epidemias: “não há nada mais triste do que as pestes que devastam um ponto do globo”. No entanto, "esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares: devemo-la a milhões de corrompidos e infectos".

 

Nesta mesma obra, a peste aparece em outro momento. Sofia, a mais bela das personagens de Machado de Assis, forma juntamente com outras damas da sociedade "Uma comissão das Alagoas", com objetivo de arrecadar fundos para ajudar o estado a combater a pandemia. 

 

* Cólera-morbo

A epidemia veio da cidade portuguesa do Porto, chegando a Belém no ano de 1855, com o navio Defensor. Em poucos meses havia doentes em todas as províncias do Norte e Nordeste, assim como no Rio de Janeiro, capital do Império. 

 

* Febre amarela 

Surgiu no Recife e se alastrou para o interior, inclusive a Bahia. Em 1849, chega em Salvador o navio americano Brazil. Vinha de New Orleans, onde a epidemia já havia se manifestado. Os hospitais se tornaram insuficientes para abrigar os enfermos, a doença se espalhou no país com índices altíssimos de óbitos.