Brasil Editor
Contemporâneo
NAPOLEÃO BONAPARTE
Escritório de Winston Churchill preservado
na forma de museu.
Do lado direito da mesa observa-se um pequeno
busto do almirante Nelson, em porcelana.
À frente dos pertences de trabalho, um busto
em mármore olha fixamente
o primeiro-ministro do Império Britânico, em plena
guerra mundial, e inspira suas decisões.
É Napoleão Bonaparte.
Napoleão, desenho digital,
acervo Brasil Editor.
Consulado
Luciano Bonaparte,
irmão de Napoleão,
organizador do movimento
em 18 de Brumário.
Canhão napoleônico, miniatura
em escala,
acervo Brasil Editor.
Rumo ao Brasil
Quando as tropas do general Jean-Andoche Junot marchavam a caminho de Lisboa, a corte portuguesa partiu rumo ao Brasil. Para receber os franceses, nomearam uma Junta Governativa do Reino, seria um comitê de recepção. Pertencente à Casa de Bragança, o príncipe Regente d. João foi aconselhado, e o melhor caminho a seguir seria estabelecer a corte no Rio de Janeiro, entregar à Junta e a Deus o destino do povo português. Aliado dos ingleses, apesar das contínuas tentativas de conciliar os interesses da França, Portugal se negava a participar do bloqueio continental imposto por Bonaparte à Inglaterra. A decisão de transferir a corte portuguesa foi resolvida bem antes, na convenção secreta subscrita em Londres, no dia 22 de outubro de 1807, e posteriormente ratificada em Lisboa, em oito de novembro.
D. João tentou uma solução conciliatória até a última hora, mas as tropas de Junot surpreenderam as expectativas da corte e dos políticos portugueses. Os franceses saíram de Salamanca em novembro de 1807, ultrapassaram a fronteira da Espanha, entraram em Portugal no dia 17 e capturaram Lisboa no final de novembro, início de dezembro.
Governador-geral de Portugal, Junot tornou-se duque de Abrantes em março de 1808. À frente das tropas invasoras estava a cavalaria portuguesa, incorporada no meio do caminho. Eficientes no serviço militar, a Legião Portuguesa seria criada por ordem do imperador Napoleão e integrada ao exército francês, iriam participar com bravura em várias batalhas, inclusive na Rússia, em 1812.
RIO TEJO
A nascente está localizada a 1593 metros de altura em terras de Espanha, Fuente de Garcia, suas águas atravessam a fronteira entre os dois países da península Ibérica, fronteira que um dia junot atravessara, percorrem o território lusitano, passam por Lisboa, seguem em direção ao oceano Atlântico, deságuam em São Julião da Barra.
Do cais de Belém, 29 de novembro de 1807, a frota portuguesa partirá rumo ao Brasil. Percorrerá o rio Tejo até alcançar o Atlântico. Embarcados desde o dia 27, a frota aguarda os ventos favoráveis de nordeste. Sob o comando do capitão Graham Moore, quatro naus da marinha inglesa reforçam a esquadra portuguesa. No cais realizado às pressas. Naquele dia, naquele momento, a confusão e angústia dominavam os passageiros. Embarcar os caixotes com 60.000 livros da biblioteca real seria um trabalho sem precedentes, e muitos foram esquecidos nos arredores.
Sopra o vento, velas cheias, redondas. A Família Real foi distribuída em navios de maior calado. No Príncipe Real embarcaram a rainha dona Maria, 73 anos, considerada “a louca”, o príncipe Regente d. João, na década dos quarenta, o príncipe da Beira, infante d. Pedro, nove anos, o irmão d. Miguel, cinco anos, e o sobrinho d. Pedro Carlos.
De nome Afonso de Albuquerque, o navio levaria a princesa dona Carlota Joaquina, 32 anos, e quatro filhas. As outras duas filhas embarcaram no Rainha de Portugal. O primeiro filho do casal morreu com seis anos de idade em Lisboa, Francisco António. Existem registros de 10.00 pessoas embarcadas, alguns apontam 15.000. Uma lista com os nomes de 536 passageiros relaciona nobres, ministros, conselheiros, oficiais, médicos, padres, desembargadores. Essa lista e algumas outras ocultam a verdadeira quantidade de pessoas embarcadas, as famílias, os parentes, os criados, os amigos de primeira e de última hora. Até franceses embarcaram, a esposa do duque de Cadaval era francesa, e sem contar os marinheiros, cozinheiros, ajudantes e muitos sem ocupação específica. Fala-se em navios fretados por comerciantes, proprietários, pessoas de posses, além dos barcos da Família Real. Todos a bordo, vamos partir.
A VIAGEM
Relacionamos os navios conhecidos que transportaram a corte, embora alguns citem 19 e outros, 62.
Naus - Príncipe Real, D. João de Castro, Afonso de Albuquerque, Rainha de Portugal, Medusa, Príncipe do Brasil, Conde d. Henrique, Martins de Freitas, Minerva, Golfinho, Urânia.
Brigues - Lebre, Voador, Vingança.
Escunas - Furão, Curiosa.
SALVADOR
A frota atraca em 22 de janeiro de 1808, sexta-feira, d. João finalmente chega ao refúgio tão aguardado, aporta em Salvador, na Bahia. A cidade fora sede do governo da América Lusitana até 1763. A nau Martins de Freitas chegou no dia 10 de janeiro e comunicou a mudança da corte, mesmo assim o governo local foi pego de surpresa com a presença do príncipe Regente d. João. João Saldanha da Gama, conde da Ponte e governador da Bahia, apesar da excepcional notícia antecipada em 12 dias, entendeu que o príncipe não passaria por lá. O governador foi às pressas ao encontro de d. João e os familiares, passageiros ainda a bordo do Príncipe Real.
No dia seguinte as carruagens seguiram no meio do povo. Recebidos com simpatia e curiosidade, os brasileiros se espantaram com as roupas próprias para o inverno europeu, embora estivessem debaixo de forte calor tropical. Os componentes da corte estranharam as cores das vestimentas dos nativos, a pouca roupa, os cabelos soltos, os negros escravos de um lado a outro da cidade. Eram barbeiros, babás, carregadores, artífices, amas, escravas bem vestidas com rendas e pulseiras de ouro, trabalhavam e passeavam em aparente harmonia ao lado dos senhores. Cena surpreendente e confusa. Entre galinhas e porcos, escravos carregavam liteiras, transportavam senhoras ricas atrás das cortinas cerradas. Mocotó, vatapá, caruru, pamonha, acarajé, canjica, angu e as sombrinhas coloridas.
Observaram detritos e valas sujas, assim era a cidade tropical denominada Salvador. A corte desprezava os banhos constantes da população, deveriam considerar um exagero sem limites, acostumados a eventuais mergulhos em banheiras com água morna. D. João teria entrado no mar do Rio de Janeiro uma só vez, e vestido... Dizem que não gostou. Quanto à sujeira local, era costume os participantes da corte “obrarem” na frente dos demais, tiravam a roupa e faziam a obra, sem papel higiênico, usavam jornais com tinta. O papel higiênico só iria aparecer em 1857, após um alemão viajar à China.
Na Europa do século 19, tomar banho só para curar alguma doença, uma receita imposta por médicos mais esclarecidos. No rosto, toalhas molhadas. Acreditava-se que entrar na água traria doenças, e lavar as partes íntimas poderia deixar as mulheres estéreis. Em Salvador, os moradores na água e os índios nos rios, o cotidiano deveria incomodar, causar desconforto aos novos habitantes. Mas o canibalismo era o medo maior, os portugueses ouviram falar dos índios que comiam pessoas.
Ofícios religiosos nas igrejas barrocas adornadas em ouro, anjos, móveis em jacarandá, colunas retorcidas ao estilo, altares de esplendor, candelabros em prata, velas acesas, turíbulo, incenso no ambiente. D. João e a corte compareciam. Em 28 de janeiro, d. João assinou a carta de abertura dos portos às nações amigas, na ausência dos ministros retardatários. O Brasil passaria a fazer comércio internacional com outros países, comércio até aquele momento proibido. Aliadas, França e Espanha não participariam. As nações amigas trariam e levariam mercadorias, pagariam impostos diferenciados de acordo com os produtos, exceção ao pau-brasil que continuaria monopólio da coroa, entre outras mercadorias. Chegavam produtos de vários portos, os ingleses inundaram nossas prateleiras com novidades não consumidas aqui em grande escala, uma população de escravos afastados do consumo e nossa reduzida elite. D. João funda a Escola Médico-Cirúrgica da Bahia. Ao completar 35 dias em Salvador, a corte partiu em direção ao Rio de Janeiro.
RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro, 7 de março de 1808. D. João e a corte desembarcam no cais do Largo do Paço, atual Praça XV de novembro. A cidade ouviu falar dos reis, das rainhas, das terras distantes de Portugal, mas a cidade com poucas casas, o convento de Santo Antônio, o Paço, o aqueduto da Carioca, hoje Arcos da Lapa, o bebedouro com 16 bicas de bronze em praça aberta, jegues, escravos e liteiras, nunca imaginou ver a rainha e o príncipe nas ruas do Rio.
O príncipe instala a Corte do Império Lusitano na cidade, cria a Imprensa Régia, a Real Biblioteca, a primeira biblioteca pública, desta vez na Bahia, reorganiza as terras Sesmarias, funda a Academia Real Militar, Academia de Belas Artes, o Jardim Botânico. Com as máquinas trazidas da Inglaterra, imprime o primeiro exemplar da Gazeta do Rio de Janeiro, o jornal circula no dia 10 de setembro de 1808. O Brasil é oficialmente reconhecido na categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e lia-se na fohlinha 17 de dezembro de 1815. Em 20 de março de 1816 morre a rainha dona Maria I, o príncipe se torna rei, mas é aclamado em cerimonial no dia 6 de fevereiro de 1818.
D. João exibiu talento administrativo e habilidade política como governante. Seu período no Brasil, de 1808 a 1821, quando partiram para Portugal, foi conturbado, repleto de revoltas e reviravoltas, vários conflitos internos, e as constantes conspirações de Carlota Joaquina, acompanhada dos amantes inoportunos. A consorte conspirava contra os interesses de Portugal e do marido. Teria influenciado d. João na tomada de Montevidéu, 1816, 1817, na anexação da Província Cisplatina, em 1821. No propósito de representar na América os interesses de Espanha, sua terra de origem, Carlota desejava criar um reinado fora do Brasil, queria ser rainha, e provavelmente se livrar do marido. Ao retornarem a Portugal, ela e o filho d. Miguel dariam continuidade às constantes conspirações. D. Miguel foi exilado e Carlota, sem coroa, não jurou a nova Constituição, foi confinada no Palácio Real de Queluz, onde morreria em 1830.
CAIPIRINHA
Por fim, um brinde à Família Real com a nossa brasileiríssima caipirinha, segundo alguns, quem diria, bebida criada por Carlota Joaquina.
Dona Maria I,
dona Carlota Joaquina e d. João VI.
Galeota Real.
Construída em 1808 nos estaleiros
do Arsenal da Capitania da Bahia
Salvador, por determinação
do conde da Ponte.
Serviço particular do príncipe Regente.
Museu da Marinha, Rio de Janeiro.