Os dez amigos
de Freud

RESUMO DAS AULAS

Grupo de Estudos Freud

regpina@gmail.com

Interpretação sobre os textos do livro
Os dez amigos de Freud (volume I)
Sérgio Paulo Rouanet

Multatuli

Eduard Douwes Dekker,
Multatuli

Freud 5

 

1 - Dom Quixote em Java

 

Vida e obra de Multatuli

Multatuli e os primeiros psicanalistas

Alusões de Freud

Marcas de Freud

Hipóteses e conjeturas

 

Vida e obra de Multatuli

 

Eduard Douwes Dekker, escritor e maçon, holandês de Amsterdã, nasceu em 2 de março de 1820. Conhecido como Multatuli, pseudônimo inspirado em famosa passagem da obra Tristia de Ovídio, o que significa "sofri muito". Autor de Max Havelaar, um relato sobre a exploração da mão de obra dos camponeses nas Índias Orientais Neerlandesas (atual Indonésia), por autoridades holandesas. Sucesso, o livro provocou a perda do cargo do autor no serviço público. Os dois principais objetivos de Multatuli nunca foram alcançados: a emancipação do povo javanês e a sua reabilitação ao cargo. A exploração da mão de obra indígena pelo governo colonial foi abolida em troca da opressão por parte de grandes empresas.

 

Multatuli e os primeiros psicanalistas

 

Multatuli  era mencionado frequentemente na Sociedade Psicanalítica de Viena. Além de Freud, Otto Rank se interessava por suas opiniões. Podemos avaliar as marcas feitas por Freud nos livros de Multatuli, a partir de convergências temáticas. Freud levou os livros de Multatuli para Londres.

 

Alusões de Freud

 

A obra de Freud contém três menções diretas a Multatuli. Datada de 1907, a primeira está em carta aberta sobre a medicina, higiene e educação sexual das crianças. Contra a opinião dominante, Freud concorda com o ponto de vista de Multatuli. A segunda se refere à dicotomia básica utilizada por Freud ao discutir a dissolução do Complexo de Édipo, em 1924. A terceira, em 1927, Freud aceita as divindades de Multatuli. A psicanálise e o “casal” Logos e Anankê, conceitos desenvolvidos por Multatuli entre 1870 e 1873. A mitologia utilizada por Multatuli marcou profundamente Freud. O psicanalista transformaria Logos e Anankê em casal, maior credibilidade às questões edipianas. Para Multatuli e Freud, Logos é a razão que substitui o mito e a religião. Quer diminuir o sofrimento humano. Anankê  pretende dobrar a onipotência da criança e do primitivo, vencer o narcisismo, educar o homem para a realidade, o sofrimento e a morte. Ignorar  Anankê é tornar-se neurótico ou psicótico, se negarmos a realidade. Eros une os homens, possibilita o convívio social sob o estímulo de Anankê.

 

Marcas de Freud

 

Freud leu As Cartas de Multatuli, dois volumes, de 1839 até 1887, ano da morte de Multatuli na Alemanha. Freud leu As Cartas em 1906, quando já havia publicado a Interpretação dos sonhos e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Lançara um livro sobre o chiste e o inconsciente, além da obra A psicopatologia da vida cotidiana. Foi o ano da ruptura com Fliess, o que o deprimiu. Ao ler As Cartas, identificou-se com Multatuli em muitos aspectos.

 

Hipóteses e conjeturas

 

O personagem Max Havelaar atraiu Freud, originalidade de pensamento e coragem quixotesca em relação às opiniões. A estranheza da narrativa talvez tenha intrigado Freud, mas os desdobramentos do narrador atraíram o psicanalista, um conteúdo semelhante aos que ocorrem nos sonhos.

 

Em seu livro inacabado, As aventuras do pequeno Walther, Otto Rank menciona três temas em relação à Multatuli: a curiosidade sexual infantil, a histeria e o incesto. Para Multatuli, a natureza só tem uma finalidade: só age por meio da atração. Freud desenvolveria esse dualismo pulsional. Eros, pulsão de vida, Tanatos, pulsão de morte. 

 

Eros, Logos e Anankê

 

Logos - Conjunto harmônico de leis que regem o universo, uma energia cósmica presente no pensamento humano.

 

Anankê - Mitologia grega, personifica o inevitável, o destino. Força inexorável à qual os deuses e humanos tem de se submeter. 

 

"Eros e Anankê (amor e necessidade) se tornaram os pais da civilização humana", escreve Freud em seu texto O mal estar na civilização.

Casa de Kipling

Casa de Kipling  em Londres. Hoje, um hotel

2 - O lobo de Roma e o lobo da Índia

 

Vida e obra de Rudyard Kipling

 

Rudyard Kipling nasceu em 1865,
em Bombaim, Índia.
Como de costume nas famílias anglo-indianas,
Kipling, aos seis anos, e sua irmã Trix,
viajaram à Inglaterra.
Foram entregues à Mrs. Holloway,
responsável na educação das crianças.
Kipling chamaria sua nova residência
de Casa da Desolação.

 

Escreveu entre outras obras, Jungle Books, Phantom Rickshaw. Recebeu o Prêmio Nobel em 1907, mas ao desembarcar na Inglaterra, vindo da África do Sul, percebeu que os ventos eram contrários às posições políticas adotadas. Kipling obteve sucesso na carreira, em oposição à existência sentimental.

 

Intuições psicanalíticas de Kipling

 

Os psicanalistas do grupo de Freud conheciam Kipling. Em 1913, em Paris, Marie Bonaparte compareceu à homenagem prestada ao autor. Freud avaliava certos escritores como os precursores da psicanálise. Kipling nunca deve ter lido Freud. Conhecia o freudismo vulgar, considerava-o repelente na questão da sexualidade. Freud, apesar da rejeição de Kipling  à psicanálise, o considerou um aliado em várias passagens de sua obra.

 

Kipling reconhece a existência do inconsciente, como observado em seus contos. Um dos primeiros a admitir a histeria masculina. No conto Mary Postgate, o autor vincula a histeria com a sexualidade. Não se limita a descrever a histeria, parece ter conhecimento dos métodos terapêuticos de Freud, como rememorar os fatos patogênicos na fala.

 

O Rickshaw Fantasma

 

Conto publicado na Índia, em 1885, O Rickshaw Fantasma fora escrito em colaboração com seus pais e sua irmã. Inevitável ler esse conto à luz do que Freud desenvolveria anos depois, no ensaio o Unheimlich, traduzido como O infamiliar. O horror causado pelo reaparecimento de algo familiar, há muito esquecido. Esse passado pode estar relacionado às crenças antigas presentes na infância. O conto Der Sandmann, de Hoffmann, é um exemplo de Unheimlich. "Dêem-me os seis primeiros anos de uma criança e podem ficar com o resto", disse Kipling. Foram os anos passados na Casa da Desolação.

 

O abandono foi determinante para Kipling, guardaria para sempre o ressentimento por ter sido separado dos pais aos seis anos. Phantom Rickshaw é uma fantasia de vingança e expiação. O enredo edipiano se modifica, mata a mãe malvada e surge a possibilidade de amar a mãe bondosa, purificada.

 

A luz que se apagou

 

Freud recomendou a Fliess, amigo de cartas e pensamentos, o romance de Kipling, The Light that failed. O romance, em parte autobiográfico, mostra a complexa relação de Kipling com as mulheres e a relação ambivalente, idealizada, com a mãe. As imperfeições são colocadas nas outras personagens femininas. Traços de tendências homossexuais aparecem no conto. Um dos personagens masculinos dirige aos homens as afeições mais fortes. No final do conto a ambivalência se resolve quando o personagem se casa com a irmã do morto, fundindo a escolha homossexual e heterossexual.

 

Os oito livros da Jângal

 

São oito contos fundamentais em torno de Mowgli, o menino-lobo. Os Jungle Books são fábulas infantis, constituem uma alegoria do imperialismo britânico. A selva é a Índia, os animais ferozes os nativos leais à Coroa. Mowgli, criado pelos nativos, conhece sua língua e costumes. Freud  acreditava na existência da violência do ser humano. Para Kipling há lugar para o amor e para a agressão a serviço da sexualidade e autoconservação.

 

Essa dualidade corresponde à primeira teoria das pulsões de Freud, sistematizada quatro anos após a carta a Heller. Catorze anos depois da carta, Freud elabora o conceito de  pulsão de morte em Além do  princípio do prazer. O ser humano encontrou a internalização como forma de neutralizar a pulsão destrutiva. A agressão se transforma em sentimento de culpa e autopunição.

 

Mowgli é um lobo ou um homem? Essa cisão surge na vida de Kipling, abandonado. Ele divide a mãe em duas imagens opostas; boa e má. Kipling na fronteira cultural entre a Índia e a Inglaterra, é uma das cisões emocionais. Racionalismo e misticismo. Saúde psíquica e doença. Homossexualismo e heterossexualismo.

 

N.E.: Sean Connery, Michael Caine, Chiristopher Plummer interpretam O homem que queria ser rei, em 1975. Filme com roteiro baseado no livro de Rudyard Kipling.

Anatole France

3 - Um cético no país dos sonhos

 

Vida e obra de Anatole France 

 

Paris, 1844, em local próximo
da Academia Francesa,
nasce Anatole France Thibault.
Entraria para a vizinha Academia,
52 anos depois. 

 

De família humilde, sem instrução, analfabeto, o pai inauguraria uma livraria especializada na Revolução Francesa. 

 

Anatole já é um escritor conhecido quando estoura a guerra franco-prussiana, em 1870. Chega a Comuna. Foge de Paris e retorna com a derrota da Comuna. Continua sua ascensão como escritor, frequenta salões literários, publica poemas. Em 1879, edita o primeiro romance, Jocaste, traços da tragédia de Sófocles. 

 

O sucesso dos romances

 

Thaïs, Le Crime de Sylvestre Bonnard, Le Lys Rouge e muitos outros. Em 1895, é eleito para a Academia Francesa. Em 1898, assina a  "petição dos intelectuais", exige a revisão do caso Dreyfus. Injuriado publicamente, rompe com vários amigos. Em abril de 1909, Anatole parte para a América do Sul. Visitou o Rio de Janeiro e São Paulo, onde fez várias conferências, além de Buenos Aires e Montevidéu.

 

Ao receber o Prêmio Nobel, proclama: "A mais horrível das guerras foi seguida por um tratado que não foi um tratado de paz mas por um prolongamento da guerra". Não acreditava no Tratado de  Versalhes. Recebeu homenagens em fevereiro de 1924, por ocasião do octogésimo aniversário. 

 

Anatole France e os primeiros psicanalistas

 

Os intelectuais em torno de Freud partilhavam o entusiasmo por Anatole France. Viam no escritor o conhecimento da psicologia  humana. Hans Sachs afirmava que Anatole conhecia o significado do  complexo de Édipo. Seu mais fervoroso leitor foi Sándor Ferenczi; várias referências ao escritor em suas cartas a Freud.
Ferenczi cita três exemplos das intuições psicanalíticas de Anatole: 

* Os fundamentos da vida psíquica. 

* Os loucos são nossos semelhantes. 

* Uso dos métodos de introspecção e livre associação para investigar o psiquismo.

 

Freud e Anatole France

 

Freud admirava seu ceticismo, sua atitude anti-religiosa e sua posição filo-semita. Quando emigrou para a Inglaterra, em 1938, levou as obras completas do autor, presente da Sociedade Francesa de Psicanálise, em 1926, por ocasião de seu septuagésimo aniversário. 

 

Referências diretas

 

O material que surge no sonho consta em parte de restos diurnos recalcados, concordando com  Anatole: "o que vemos de noite são os restos infelizes do que negligenciamos na véspera".

 

Pós-escrito, em 1909, A interpretação dos sonhos. Os psicólogos recusavam a teoria freudiana sobre a formação dos sonhos. Crítica aos analistas que utilizam o saber psicanalítico como forma de influenciar. 

 

Essas referências estão presentes na obra de Anatole France.

 

Sobre a pedra branca

 

A obra selecionada por Freud, Sur lá pierre blanche (1904), é um romance composto por dois episódios: um no passado e outro no futuro. A natureza humana muda pouco, qualquer que seja o regime social e político. Talvez o homem seja substituído por outra espécie, que desprezará nossas realizações e da qual sabemos tão pouco.

 

Sobre a pedra branca como Palimpsesto

 

"Tu pareces ter dormido sobre a pedra branca, no meio do povo dos sonhos". Em seguida vem a indicação da fonte: Philopatris, XXI, diálogo que durante muito tempo foi atribuído a Luciano de Samósata (125-192 d.C). Os dois personagens são Crítias e Triephon. Decisivo para o romance de Anatole France. A primeira parte situada no passado, a segunda em um futuro utópico. Freud poderia ver na pedra branca não somente um símbolo sexual, a junção de amor e morte, mas uma fronteira entre consciente e inconsciente.

 

A psicanálise da Pedra Branca

 

Pedra Branca reproduz as estruturas temporais do sonho descoberto por Freud: o presente, do qual são extraídos os restos diurnos e no qual ele é interpretado; o passado, onde se deposita o desejo infantil, força motriz do sonho; e o futuro para onde aponta o desejo em busca de sua realização. Mesmo com uma alteração profunda nas relações de propriedade, a natureza pulsional humana é ineducável. 

 

"O programa que o princípio do prazer nos impõe - ser feliz - não é realizável". O máximo que podemos fazer é "esforçar-nos para que de alguma maneira possamos chegar mais perto de sua realização".

 

Anatole France morreu em 12 de outubro de 1924. Duzentas mil pessoas compareceram ao funeral; o presidente da  República, ministros de Estado, autoridades.

Émile Zola

4 - Da religião da verdade
ao culto do espermatozoide


Vida e obra de Émile Zola

 

Em Paris, 2 de abril de 1840,
nasce Émile Zola.
Trabalhou na editora Hachette,
onde assumiu o setor de  publicidade.

 

Livros:
1864: (primeiro livro) Contes à  Ninon

1865: Confession de Claude

1867: Thérèse Raquin, primeiro grande romance, obra experimental 

1868: Madeleine Férrat

1869: surge o plano dos Rougon-Macquart, obra em dez volumes na qual contaria a "história natural e social de uma família sob o Segundo  Império".

1874:  inicia amizade com Flaubert e os irmãos Goncourt

1878: adquire a propriedade de Médan, à beira do  Loire, onde passaria longas temporadas até a sua morte. Atualmente é Museu Zola.

1885: publica Germinal, maior triunfo de sua carreira. Casado com  Christine, em 1888 se apaixona por Jeanne Rozerot. Nascem dois filhos.

 

Outra obra famosa foi A besta humana, décimo sétimo livro dos Rougon-Macquart. Encerra o ciclo com o vigésimo livro. 

 

Zola pensa em dois novos ciclos romanescos. O primeiro dedicado a Lourdes, Paris e Roma, o segundo, os quatro Evangelhos: Fecundidade, O Trabalho, A Verdade e A Justiça. Em 1898 escreve J'accuse, a favor da revisão do julgamento que condenara o Capitão Alfred Dreyfus, por alta traição.

 

Freud e Zola: Convergências

 

A vida e a obra de Zola despertaram o interesse de Freud. Traços de personalidade comuns em ambos, uma ambição desmedida. Zola produziu uma obra imensa para recriar uma sociedade, Freud para tornar acessível o mundo do inconsciente. Destacaram a importância da sexualidade, defendiam as ideias apesar das críticas.

 

Zola conhecia Charcot, médico que  muito influenciou Freud. Baseava-se na hereditariedade como base da histeria, enquanto  Freud acreditava que o importante era o trauma sexual infantil. "São as fantasias que produzem os efeitos patogênicos e não os traumas reais. A hereditariedade é posta em segundo lugar".

 

Freud evitou uma interpretação psicanalítica mais profunda da vida de Zola, destacando sua neurose obsessiva. Freud se interessou pelo papel desempenhado pelo pai de Zola em sua vida, morto quando tinha sete anos. Rastros de uma constelação edipiana se encontravam presentes na obra de Zola, convergências no tocante à vida pulsional. Freud descobriu o tema da psicologia das multidões na obra de Zola, tinha horror da massa humana. 

 

Zola se informou sobre os sintomas histéricos com Gilles de La Tourette, braço direito de  Charcot na Salpêtrière. Zola se aproximou da posição de Freud sobre a etiologia sexual das histéricas.

 

Zola morre asfixiado por óxido de  carbono, proveniente da lareira. Era o ano de 1902. Considerado um acidente, cinquenta anos mais tarde, o jornal Libération revela ter sido um atentado político  relacionado ao caso Dreyfus.

Alusões de Freud

 

O lado combativo e generoso de Zola atraiu Freud. Em palestra na associação judaica B’nai B’rith, em 1902, ressalta esses aspectos. Zola também foi objeto de interpretação psicanalítica. Freud considerava o escritor um neurótico obsessivo altamente criador e inteligente. Considerava Zola um "fanático da verdade", disposto a admitir a verdade sobre si próprio.

 

Dr. Toulouse, chefe da Clínica da Faculdade de Medicina de Paris e médico do asilo psiquiátrico de Sainte-Anne, realizou uma pesquisa com Zola. Freud por meio da pesquisa tomou conhecimento dos sintomas obsessivos do escritor.

 

Se Zola era neurótico obsessivo, provavelmente sua obra apresentaria traços dessa patologia. Freud encontra esses traços sem dificuldades, interpreta psicanaliticamente os atos dos personagens de Zola. O escritor fornece material para dois sonhos de Freud: o do "Conde Thun" e o do "Autodidasker". O primeiro sonho reflete restos diurnos de cenas reais  ocorridas na vida de Freud. Uma das cenas mostra uma rebeldia contra a autoridade do pai. "O menino não daria para nada", dizia o pai. No segundo sonho, surge a epígrafe que Freud pensará em usar no trabalho a respeito da histeria, revela sua atitude megalomaníaca em relação à importância das descoberta. Zola é o responsável na estratégia do inconsciente, de representar por um jogo de palavras o conflito  psíquico.

 

Fecundidade

 

Parábola da família fecunda premiada com a felicidade. Representa o sucesso econômico, em contraste com o casamento estéril ou pouco fértil, punido com a desgraça e a ruína.

 

A burguesia com seus salários de fome perpetuava a miséria. A solução se encontrava, afirma Zola, em uma organização mais justa do trabalho social e cultivo de novas terras em outros continentes. "A terra, inteiramente povoada, se tornará suficientemente sábia para viver numa espécie de imobilidade divina".

 

A psicanálise da Fecundidade

 

Se fosse crítico literário, Freud teria observado a perda de qualidade literária de Zola. Em Fecundidade, se lido à luz da biografia de Zola, Freud teria dado maior importância ao significado psicanalítico do tema da fecundidade do que às reflexões estéticas ou políticas.

 

Em Fecundidade, o escritor radicaliza o fantasma da rivalidade edipiana. Supera o pai simbolicamente e literalmente. No sentido biológico, o tema da fecundidade está ligado à ideia de potência ou impotência sexual. O fantasma da fecundidade e da esterilidade percorre a obra de Zola. Freud concluiu que Zola temia a impotência, tanto no casamento como na arte. Talvez por isso trabalhasse incessantemente, produzindo sempre novos livros, embora tenha se tornado menos criativo.

 

Freud não concordava com a tese de que a finalidade do orgasmo é a fecundidade. Para ele o desejo sexual é dissociado da reprodução. A pulsão sexual está a serviço do prazer, oriunda de zonas erógenas localizadas em várias partes do corpo e não somente nos órgãos genitais.

 

A civilização requer a sublimação de uma parte da libido e a procriação. O indivíduo  seria mais saudável se pudesse desvincular o prazer do espectro da gravidez.

 

Freud e Zola estabelecem um vínculo entre as perturbações de origem sexual e a neurose moderna. Para Freud, o nervosismo tem origem na insatisfação sexual. Para Zola, na limitação da natalidade. Fecundidade foi uma obra importante na teoria freudiana do nervosismo moderno, relação entre doenças nervosas e sexualidade.

Dmitri Merezhkovski

5 - O andrógino russo
e o andrógino florentino

 

Vida e obra de
Dmitri Sergeievich Merejkovski 

 

Nascido em São Petersburgo, no ano de 1865,
o mais jovem dos nove irmãos era o favorito
da mãe e considerava o pai um tirano.
Em 1888 conheceu sua futura mulher,
Zinaida Hippius, excêntrica intelectual, interessada
no satanismo: poemas ao demônio. 

Era denominada pelo clero de "diaba branca".

 

O autor torna-se uma figura central na literatura russa a partir da década de 90. Ajudou a introduzir o  simbolismo; seria necessário libertar a literatura e sujeitá-la à arte, um dos aspectos do divino. O simbolismo se dirige à alma do homem e ao mundo interior. Ele e Hippius consideravam a androginia importante; a natureza feminina se mesclava com a masculina. Entre suas obras, destaca-se Leonardo da Vinci: o nascimento dos deuses (1900), onde tenta harmonizar os dois princípios.

 

Após a derrota da Rússia pelo Japão, em 1905, torna-se adepto da revolução religiosa. O princípio seria o amor. A intolerância e a cobiça seriam eliminadas. Publica uma biografia romanceada de Napoleão, ambição de poder devoradora. Várias trilogias: Lutero, Calvino, Pascal, entre outras.

 

Dmitri e a psicanálise.

 

Cada um dos heróis de Merejkovski representa uma projeção biográfica. Em Leonardo ele morre nos braços da mãe, a morte seria o momento do reencontro entre mãe e filho. A obsessão de Dmitri era a de Leonardo: o vôo. O símbolo da liberdade, romper os limites. Freud não apresentava muito interesse nesse autor, embora haja afinidades entre certos conceitos. Dmitri antecipa Freud na questão do erotismo e reprodução, ao desvinculá-las. O ser humano é  bissexual, a androginia representa a união do filho com a mãe. Dmitri teorizou a respeito das associações livres, a importância dos símbolos como linguagem na representação do inconsciente. O ser humano tem uma alma diurna e outra noturna, talvez apontando para o consciente e inconsciente. O que realmente interessou Freud  nesse autor foram os episódios relatados sobre Leonardo, advindos de sua imaginação. Em 1910, Freud publica o ensaio sobre da Vinci.

 

O Leonardo de Merejkovski

 

O romance é o segundo da trilogia
Cristo e anticristo. 

 

O dualismo de Leonardo da Vinci se faz presente, concebe duas imagens de Cristo, segundo Dmitri. Leonardo conhece Maquiavel, se tornam amigos. Pinta o retrato da mulher de um mercador de Florença, Monna Lisa Gioconda. O contato diário com Gioconda provoca uma emoção, uma união. Leonardo irá trabalhar para o novo rei da França, Francisco I. Leonardo tem um derrame que o impede de pintar. Qual dos dois Cristos era o verdadeiro?

 

O Leonardo de Freud

 

O ensaio de Freud aborda a indiferença sexual do artista: a afetividade estaria ligada ao saber. Investigador insaciável, dissecava corpos em busca de conhecimentos de anatomia, realizava experiências de mecânica  além de outras atividades. O pesquisador venceu o artista. 

 

Apesar de pacifista projetou máquinas de extermínio, serviu a Cesare Borgia, conhecido por sua crueldade. A infância de Leonardo explicaria, escreveu Freud. Leonardo relata uma recordação de infância, um abutre abriu seus lábios, onde  colocou sua cauda. Para Freud, uma fantasia: o abutre representava a mãe. A fixação pela mãe é reprimida, persiste no inconsciente, enfraquecendo a libido. O artista aos poucos se transforma em investigador, estuda a natureza e seus segredos. Repetiu em suas obras a relação de menosprezo do pai. Leonardo foi acusado de heresia e sodomia. Seus personagens apresentam um sorriso "leonardesco", tenso e ameaçador. Freud relaciona ao sorriso de Caterina, sua mãe. 

 

Os dois  Leonardos

 

Freud afirma que só Dmitri havia entendido a influência da vida afetiva e sexual de Leonardo sobre sua atividade de pintor e cientista. Dmitri apresenta uma tradução impecável na questão abutre-milhafre. Forneceu dados importantes a Freud para a reconstituição da infância de Leonardo. Dmitri e Freud concordam que Caterina era mãe perigosamente terna, estimulando  Leonardo com carícias. Para Freud  a indiferença sexual de  Leonardo estava associada à forte latência homossexual, ligação erótica com a mãe e ausência do  pai.

 

Foi em Dmitri Merejkovski que Freud encontrou a chegada da mãe do artista em Milão, a indiferença entre mâe e filho era apenas aparente. Leonardo mostra que para ele a libido converteu -se no impulso de pesquisar. Dmitri considera o desejo de saber como "duro e implacável", o sadismo do superego, esse pai interiorizado. Freud  assinala o contraste entre o lado cruel e extrema doçura do artista. Para Dmitri, Leonardo possuía um lado masoquista e sádico, sofrer e fazer sofrer. A dualidade do artista se deve à androginia, Leonardo representa o Cristo e o anticristo. Dmitri Merejkovski morreu em Biarritz, em 1941, e sua mulher Hippius, em 1945.

Gottfried Keller

6 - A Helvécia vista por um suíço
de Glattfelden

 

Vida e obra de Gottfried Keller

 

Dos seis filhos, apenas Gottfried e Regula,
sua irmã, sobreviveram.
O pai morreu quando Keller tinha cinco anos,
e a mãe procurou outro casamento.
Esse fato marcaria a vida amorosa de Gottfried.
Assolado por constantes frustrações,

não se casou.
Boêmio, possuia gênio violento.
Sua vida literária foi favorável em Berlim,
especialmente a obra Henrich, o Verde.

 

Retorna como escritor famoso a Munique, mas com a situação financeira incerta. Em 1864 perde a mãe e passa a viver com a irmã. A tirania espartana de Regula o irritava profundamente. Escreve Novelas de Zurique, obra considerada importante e admirada por Conrad Ferdinand Meyer, escritor suíço como Keller.

 

Revisou Henrich, o Verde, fazendo alterações que muitos leitores não apreciaram. Em 1882, recebeu um livro de Friedrich Nietzsche, A Gaia ciência, com a dedicatória "O júbilo do seu coração", em referência a Keller.

 

Keller à luz da psicanálise

 

Freud usa algumas passagens da obra de Keller como simples ilustrações, embora considerasse a capacidade intuitiva do autor para descobrir verdades psíquicas inacessíveis à psicologia oficial. Teria descoberto as raízes infantis dos sonhos de nudez; seriam impulsos exibicionistas infantis reativados. Antecipou a transformação de expressões idiomáticas em imagens. Membros da Sociedade Vienense de Psicanálise se interessaram por Keller, principalmente a ligação incestuosa com a mãe, presente em seus contos. Keller sofre de uma insuperável fixação materna; não consegue se relacionar com outras mulheres.  Seus sonhos apontam para aspectos relacionados à impotência. Presente em seus contos, a irmã também representa uma figura importante em sua vida. Figuras femininas são fundamentais em sua obra.

 

A gente de Seldwyla

 

Nos últimos anos da permanência em Berlim, Keller escreveu dez contos. O primeiro prefácio apresenta Seldwyla como cidadezinha cercada de muralhas medievais, longe do rio para evitar contatos com o exterior. Seus habitantes são alegres, festivos, incapazes de atividades produtivas e metódicas. No segundo  prefácio, escrito dezessete anos depois, a cidade havia se ajustado ao resto do mundo; novas oportunidades para o florescimento das aptidões dos habitantes. Seldwyla representa a Suíça, isolada do mundo exterior entre 1830 e 1850. Neste segundo prefácio,  mostra a Suíça dos anos 70 se ajustando ao capitalismo. 

 

Para Freud Seldwyla representa o princípio do prazer, sempre igual e regida pela compulsão à repetição. Os habitantes vivem no mundo da fantasia, da realização do desejo. Keller projeta sobre sua cidade, e do seu pai, a ambivalência dos sentimentos. É a cidade da alegria, da poesia, mas também pode ser feroz. As dez novelas ilustram os dois lados de Keller em relação à cidade: amor e desprezo.

 

- Pankraz, o emburrado

- Romeu e Julieta na aldeia 

- A senhora  Regel Amrain e  seu filho caçula 

- Os três justos, fabricantes de pentes 

- Spiegel, o gato 

- As roupas fazem as pessoas 

- O forjador de sua sorte

- As cartas de amor mal utilizadas 

- Dietegen 

- O riso perdido 

 

Regula morre em 1888. Em 15 de julho de 1890, morre Gottfried Keller, pouco antes de completar 71 anos.

7 - Vida e obra de Conrad Ferdinand Meyer

 

A família de Conrad Meyer pertencia
ao patriciado de Zurique.
Do lado paterno, descendia do comerciante
mais rico da cidade – Melchior Meyer.
As famílias, paterna e materna, habitavam
campos políticos opostos:
uniram-se com o casamento de Conrad Meyer
e a filha dos Ulrich.

 

Meyer era o mais jovem de nove irmãos, possuía saúde frágil. Após a morte do pai em 1840, com quinze anos, os sintomas da doença se intensificaram. Sua mãe o enviou para Lausanne, embora tivesse consciência que prejudicava o filho com a religiosidade. Sua melancolia se agravava, sentia-se rejeitado. Foi internado em uma clínica em Préfagier, perto de Neuchatêl. Seu estado psicológico  melhorou, foi aconselhado pelo médico a se afastar da mãe. 

 

A morte da mãe foi uma libertação. Conrad foi para Paris e ao voltar para Zurique iniciou os textos. O sucesso veio com Os últimos dias de Hutten, escrito em 1871. A condição psíquica piorou devido à questões familiares  entre a esposa e sua irmã. Recuperou-se em 1893. Sentiu-se recuperado no outono de 1839. Em novembro do mesmo ano, um ataque cardíaco encerrou a vida de Conrad.

 

Meyer à luz da Psicanálise

 

A hereditariedade e os sintomas psicopatológicos de Meyer fizeram com que alguns psiquiatras tentassem analisar o autor e não a sua obra. Essa atitude foi mal recebida pela sociedade psicanalítica. Freud analisou mais a obra e menos a vida do autor. Leu suas poesias e o romance Os últimos dias de Hutten. Concluiu que Meyer era um virtuoso da máscara, tentava distanciar-se do texto, uma forma velada de exprimir seus conflitos.

 

Na Porta do Céu

 

Ao ler o poema Na Porta do Céu, Freud percebeu a belíssima descrição de um estado patológico, a neurose compulsiva. "Ele revelou um conhecimento profundo dos processos psicológicos", disse.

 

Novelas:

O amuleto 

Jürg Jenatsch

O tiro no púlpito 

O santo

Plauto no convento 

O pajem de Gustavo Adolfo

O sofrimento de um menino 

O casamento do monge 

A juíza 

A tentação de Pescara

Ângela Borgia

Segue no segundo volume

______________________________